
Paolo Brivio
Estamos hoje no meio de um momento muito importante, fundamental, de mudança global. A pandemia do coronavírus está sendo algo único na história da humanidade, por muitas razões, além daquela eminentemente sanitária.
Essa epidemia é o primeiro evento realmente mundial da história. As duas guerras mundiais foram guerras europeias, assim como a guerra fria foi uma questão do norte do mundo. A crise de 2008 foi uma crise ocidental, sinal de algo maior pela frente e muito mal enfrentada pelos mesmos países ocidentais. Pelo contrário, a pandemia de COVID-19 é realmente mundial (assim como a crise ecológica, mas cujos efeitos estão já presentes hoje). Este vírus altamente contagioso, nascido num lugar tão desconhecido ao mundo Ocidental, está afetando todos os países, com consequências enormes, ainda muito subestimadas em muitos lugares.
No começo de fevereiro, na Itália, o que estava acontecendo na China parecia pouco mais que um filme de ficção científica ambientado num outro planeta, distante e quase desconhecido. O vírus era argumento de piadas e artigos de duas ou três páginas. Um mês depois estávamos dentro de um pesadelo. A morte tinha entrado em casa.
Uma dinâmica que continua se repetindo em vários níveis: em toda casa e família, que antes assistia notícias sobre o vírus por meio das mídias, como um evento alheio; nos outros países, que se achavam inatingíveis. Tudo isso até quando a morte entrou em nossas casas ou descobrimos que já estava dentro dos nossos países: naquele momento a realidade quebra o telhado de papel e acaba com sua vida. Naquele momento, você percebe a estupidez de toda aquela ousadia, e descobre a assustadora fragilidade de sua vida e de seus entes queridos.
Essa experiência é mundial. O que acontece nas famílias de meus amigos, na minha família, é o mesmo que acontece na China, na Coreia do Sul, no Irã, na Espanha, nas Américas, na África. Essa experiência de um inimigo invisível e traiçoeiro, que entra em nossas casas, nos lugares públicos, nos meios de transporte, que fica calado por dias e dias e quando nos damos conta todos estão infectados. Essa experiência de extremo limite. De morte.
O que está acontecendo é uma tragédia em primeiro lugar sanitária. Mas sempre mais se configura como um momento decisivo na história da humanidade. O ano 2020 será lembrado como o ano do primeiro acontecimento realmente mundial, que desencadeou efeitos em todos os campos. Diante do que está acontecendo, muitas coisas não poderão ficar as mesmas. Saindo desta quarentena – individual e global – não podemos, e talvez nem queremos, voltar ao anterior. Anunciam-se mudanças de ordem econômica, social, política e geopolítica. O mundo não será mais o mesmo, é o começo do fim de muitas coisas. Estamos no centro de um tempo de crise. E a crise é tempo de escolha.
Nessa crise, nós, enquanto habitantes do mundo, somos os destinatários de um chamado, de uma convocação: a repensar nossa vida, nossas prioridades, nossa sociedade. Essa crise está fazendo emergir não somente nossos limites como seres humanos, mas também os limites de nosso viver social e de nossa visão de mundo. E, juntos, com os limites, nossos desejos mais profundos estão emergindo. Nessa experiência tão fortemente comunitária parece que também a morte se torna algo de coletivo. E, da morte, o anseio à vida, mas a uma vida que seja plena. A uma vida mais forte que a morte.
Essas reflexões dispersas levam à nossa situação concreta de hoje. Diante de tudo o que está acontecendo no mundo, nesse momento de crise e de repensar global, qual é a palavra que Deus está falando, gritando aos seus filhos? Acho que o teólogo pode e deve dizer algo hoje, o pensamento teológico pode e deve fazer a sua parte. Não podemos seguir como se nada estivesse acontecendo! O ser humano precisa de ajuda, sobretudo, agora, dentro dessa crise. O mundo precisa de esperança, discernimento, como raras vezes sentimos necessidade dessas atitudes em nossa história.
Paolo Brivio – Jesuíta Italiano, estudante do 1º ano de Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia