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Desesperar jamais!

Geraldo De Mori SJ

O reino de Deus é como um grão de mostarda” (Mc 4,31)

Para um número significativo de brasileiros e brasileiras o tempo em que vivemos é dos mais sombrios e desesperadores. Não só por causa das consequências nefastas da pandemia, mas também pela situação social e política pela qual passa o país. O avanço lento do processo de vacinação, que vai dando maior segurança aos que são imunizados, não é ainda o sinal do fim do contágio, das mortes e de uma “volta ao normal”. Pelo contrário, as novas variantes do vírus e o modo irresponsável como toda a gestão da pandemia tem sido conduzida pela política oficial, levam a temer o recrudescimento da atual “segunda onda” ou a irrupção de uma “terceira onda” ainda mais letal que as anteriores. A aproximação da terrível cifra dos 500 mil mortos, além de nos assustar, deveria nos interrogar sobre nossa incapacidade de indignação. É como se tivéssemos paralisados ou habituados à morte, num incrível cenário de banalização do mal, pois, em grande parte, esse número poderia ser muito menor, caso tivessem sido tomadas as devidas medidas. Ao invés de envidar esforços para que a pandemia seja vencida, a autoridade máxima do país participa de “motociatas”, advoga a eliminação das máscaras e promove o uso de medicamentos não comprovados como “tratamento precoce”, numa incapacidade incrível de compaixão e solidariedade com os que padecem e morrem. E o pior, seu insano comportamento é aplaudido por muitos ou vai sendo absorvido por uma multidão incrível como se fosse “normal”, não despertando nenhuma reação que possa, enfim, dar um basta a tanta loucura. A própria condução da crise se associa, por um lado, a processos econômicos e sociais, que levaram ao empobrecimento de milhões e ao enriquecimento de uma minoria, e por outro, a processos políticos, com ameaças cada vez maiores à democracia, por meio de atitudes e decisões autoritárias, pendendo ao fascismo.

Diante do que acontece no Brasil muitos se perguntam: como isso é possível? Por que a população brasileira não se revolta, não sai às ruas, como o fez a população chilena, em 2019, e a população colombiana, em 2021, em plena pandemia? Como justificar a aparente apatia da maioria dos/as brasileiros/as diante de uma autoridade que mostra tanta incompetência em gerenciar uma crise, em criar um consenso para se construir um país, preferindo, ao contrário, manter a polarização e o ódio, como substância principal de sua ação política? Seríamos todos covardes, cúmplices, omissos? Outros, talvez conscientes das dificuldades reais de se mobilizar um povo que luta para sobreviver em meio ao mal, buscam encontrar razões para não cair no desespero, não se deixando abater, realizando pequenos gestos que possam, no momento certo, desencadear ações que façam a diferença.

E a fé cristã em tudo isso? O que ela pode e deve dizer e fazer? E a reflexão sobre a fé, ou seja, a teologia, qual sua missão nesses tempos sombrios? Muita gente que se diz cristã parece não ver problema nenhum no comportamento e nas ações do atual mandatário do país, outorgando-lhe inclusive uma missão divina. Outros acham que as igrejas não devem se meter em política, que sua missão é espiritual, voltada apenas para a conversão e a salvação das “almas”. Outros ainda pensam que o que ela pode e deve fazer é suscitar gestos de caridade, numa perspectiva de caráter assistencial. A tradição profética que marcou todo o período pós-conciliar da Igreja católica do Brasil, sobretudo no tempo da ditadura e do processo de redemocratização, é tida por alguns como marxista e identificada com a teologia da libertação. O que importa salvaguardar, segundo muitos grupos, evangélicos e católicos, é a integridade da família, contra tudo o que a ameaça. O que está em jogo, porém, é algo muito mais profundo e radical: o futuro de um povo. Será que o cristianismo pode ser cúmplice de um sistema que mata? Se somos incapazes de nos comover diante de tanta gente que morre por causa de decisões políticas totalmente equivocadas e assassinas, será que ainda podemos afirmar que somos de fato cristãos/ãs?

A enormidade do mal que assola o Brasil é tão grande e profunda que muitos, mesmo animados pela fé, se perguntam, mas o que podemos fazer? Parece que o povo se acostumou com a situação na qual se encontra. Como vencer sua apatia? Não é possível mudar essa situação sem que o povo vá às ruas e mostre sua indignação, como aconteceu nas jornadas de junho de 2013. Três textos bíblicos, talvez, devessem alimentar a esperança de quem de fato crê no Deus de Jesus de Nazaré: Is 40,1: “Consolai, consolai o meu povo, diz o Senhor”; Mc 1,15: “Cumpriu-se o tempo, e o reinado de Deus aproximou-se: convertei-vos e crede no Evangelho”; Mc 4,31: “O reino de Deus é como um grão de mostarda”. O primeiro texto é um apelo ao ministério da consolação. É Deus quem convoca o profeta a esse ministério. Quem se diz cristão/a é chamado/a a consolar, não só quem perdeu seus entes queridos para a Covid-19, mas também quem está sem esperança, sendo o instrumento através do qual Deus sopra seu Espírito que renova toda a face da terra. O segundo texto é um convite a perceber nesse tempo sem esperança a irrupção do “cumprimento do tempo”, que faz aproximar-se de novo o “Reinado de Deus”, que é boa notícia, mas que demanda conversão: de olhar, de atitude. E a conversão, única capaz de abrir-nos os olhos e a existência à esperança, é um processo que se inaugura sempre. A ela justamente aponta o terceiro texto. O reino de Deus não vem com poder, é como um grão de mostarda. Na verdade, Jesus desvestiu-se de todo poder, tomou a forma de servo (Fl 2,7). É na contradição do minúsculo, do humilde e do sem força que o reino irrompe, trazendo algo novo, que faz a diferença. Sem entrar nessa escola de Jesus, cuja expressão máxima se revela na “loucura da cruz”, é impossível sair da grande desolação na qual nos encontramos enquanto povo e nação. Toda crise, como ensinam muitos sábios, leva à redescoberta do que é o “único necessário”, o que vale a pena, o que, de fato, faz gerar o novo, trazendo novas perspectivas para quem a atravessa com fé.

Geraldo Luiz De Mori SJ é professor e pesquisador no departamento de teologia da FAJE

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