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Em busca dos valores perdidos

Em busca dos valores perdidos.

Álvaro Mendonça Pimentel, SJ

Uma das tarefas fundamentais da filosofia é a análise ou esclarecimento conceitual. Muitas vezes, debates são guiados por uma compreensão equivocada da natureza dos problemas em questão, levando a uma guerra de posições extremas, sem esperança de que haja reconciliação entre as partes. No entanto, um olhar mais atento seria capaz de anular a discussão ou de colocá-la de forma correta. Tomemos um exemplo que ocupa a atualidade.

Autoridades têm sido acusadas de ignorar o parecer de especialistas, parecer fundado em conhecimento científico, no que diz respeito à Pandemia de Covid-19. Tudo se passa como se o fato de escutar tal parecer fosse suficiente para tomar as decisões corretas no manejo da crise, no campo político e econômico. Parece, salvo engano de nossa parte, que se afirma ser o conhecimento científico gerador de decisões ético-políticas e que o desconhecimento levaria a decisões desumanas. Mas esse modo de colocar o problema guarda uma ilusão.

Com efeito, a ciência, em nosso caso os diversos ramos da biologia e da medicina, estuda os fenômenos da natureza. Ela nos apresenta modelos teóricos capazes de esclarecer como esses fenômenos se produzem, quais são as variáveis envolvidas em seu desenvolvimento, incluindo o surgimento e a cessação do objeto estudado. Assim, por exemplo, temos algum conhecimento sobre o surgimento de certos tipos de tumores malignos em nosso organismo, sabemos como eles costumam se desenvolver e como podemos extirpá-los, enquanto é tempo. Mas nenhum desses saberes é propriamente prescritivo. A ciência não nos obriga à cura do câncer. Dedicar-se ao cuidado de doentes com câncer, despender todos os meios disponíveis para tratá-los, reinseri-los na vida da sociedade após o tratamento e outorgar-lhes certos privilégios, como a dispensa de pagamento de impostos, todas essas decisões e ações decorrem de um campo de sentido diferente daquele da ciência ou da técnica. Este campo chama-se ética ou moral.

O poder político em nossa república divide-se em executivo, judiciário e legislativo, mas constitui um único poder, diferenciado e articulado. Sua função é tomar decisões nos três âmbitos em que se organiza. Simplificando, o legislativo formularia leis justas, o executivo poria em prática políticas visando ao bem comum que obedeceriam às leis, o judiciário velaria sobre o cumprimento das leis e puniria o descumprimento das mesmas, tudo com a devida proporção e equidade. Mas nem toda a ciência do mundo produziria esse milagre da cultura humana chamado política. A política é uma invenção humana e, em sua versão mais elevada, constitui uma morada feita de instituições bem organizadas, para abrigar e cultivar os valores de uma sociedade e o exercício das virtudes, sobretudo, a virtude política da justiça, na busca ideal do bem de todos. Mas voltemos ao nosso tema.

Que a ciência não basta para a tomada de boas decisões políticas, fica patente quando nos recordamos da maior crise humanitária de nossa época, ou seja, a Segunda Grande Guerra (1939-1945). Então, cientistas desenvolveram experimentos em humanos nos campos de concentração, e milhões foram sacrificados em câmaras de gás e pulverizados em fornos crematórios. O conhecimento da fissão nuclear foi utilizado para a construção de bombas atômicas e milhões foram carbonizados ou varridos da terra em ataques covardes. Os exemplos poderiam se multiplicar, infelizmente. Os dois lados do conflito estavam repletos de ciência, mas nenhum dos dois respeitou os mais básicos princípios éticos de nossa civilização.

De lá para cá, não se pode dizer que o mundo se tornou mais humano por causa do aprendizado amargo da guerra. A consciência dos números de mortos ou dos métodos assassinos empregados não modificou minimamente o modo como nosso mundo desumano se organiza, como atestam as mais de cem milhões de pessoas que padecem fome e desnutrição ainda hoje, ou o genocídio de povos indígenas perpetrado em nosso país. Dois tristes exemplos de uma lista extensa e pavorosa.

Portanto, se autoridades não são capazes de tomar decisões minimamente humanas num tempo de crise, isso não se deve à falta de conhecimento científico, mas se trata de um problema claramente moral. Além disso, não devemos cultivar falsas esperanças sobre o que a crise que vivemos há de nos ensinar ou como ela modificará nossa sociedade para melhor. Mudanças sociais dependem de valores morais cultivados em todos os patamares da convivência humana. O conhecimento científico, é claro, ajuda-nos na busca de soluções, mas a busca não nasce pura e simplesmente da ciência. Nesse sentido, diríamos a modo de provocação, que, embora valiosíssima, nem toda ciência (e a tecnologia) do mundo alcança o valor de uma ação moral. Mas como surge a moralidade? Esse poderia ser o assunto para outro artigo. Por ora, concluímos que, sem os valores que devem iluminar o templo da política, este acaba por converter-se em sombrio covil de ladrões, que se vendem a todo tipo de interesses escusos.

 

Álvaro Mendonça Pimentel, SJ é professor do departaento de Filosofia da FAJE e membro da Associação Brasileira de Filosofia da Religião. Atua na área de Filosofia, com ênfase em ética e filosofia da religião.

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