Pe. Washington Paranhos SJ
A celebração da Eucaristia é o coração de cada caminho espiritual e será ainda mais no caminho “especial” do Advento deste ano. Sentimos insegurança e medo, continuamos temendo pela nossa saúde ou pela saúde de parentes e amigos, olhamos para o futuro com profunda preocupação. O encontro com o Senhor Jesus que vem visitar a humanidade neste momento doloroso de sua história traz uma consolação capaz de reavivar o futuro, de não nos sentirmos sozinhos, de encontrar uma comunidade ao nosso redor, de reacender a possibilidade de esperança.
Neste Advento, somos convidados antes de tudo a partilhar esta esperança nos caminhos da caridade, buscando perceber as necessidades dos irmãos mais sofridos que nos rodeiam. Não se trata apenas da emergência Covid-19, o risco é que a antiga pobreza presente no Brasil e no mundo seja esquecida. Outra forma de caridade é a cultura do encontro. Cultura não é erudição, mas oportunidade de compreender este tempo, de buscar juntos o sentido da experiência humana, de abrir-se como comunidade cristã ao diálogo com todos, de percorrer o caminho da beleza para voltar a esperar.
Trata-se de um caminho para vivermos juntos. Celebrar o Natal em uma época de pandemia será um pouco diferente das experiências que nossa imagem tradicional reporta. Os hábitos mudarão, mas o desejo de acolher a vida e estar presente onde ela acontece não mudará. O caminho do Advento construído graças à colaboração entre as diversas iniciativas se concretiza a partir de uma ideia de essencialidade.
Optar por acompanhar as comunidades com uma proposta essencial pode ser um sinal de cuidado, atenção e respeito pelo tempo particular que vivemos. O convite é o de acolher a vida além das tradições: acolhamos com fé a maravilha de Deus que se fez homem e que hoje nos provoca a reconhecê-lo em cada pessoa humana. A celebração do nascimento de Jesus é capaz de abrir o coração à aceitação da vida em todas as suas manifestações, particularmente nas que reconhecemos nas pessoas mais sofridas e esquecidas. Servir a vida onde a vida acontece torna-se então uma vida acolhedora quando isso é concretizado. Esse deve ser o nosso compromisso e a nossa esperança.
O tempo do Advento tem uma espiritualidade muito encarnada na vida das pessoas. Se não é encarnada, não é espiritualidade. Como o Filho de Deus assumiu uma condição humana, também a espiritualidade só terá consistência se for encarnada. Quando ouvimos a notícia de que alguém muito querido está chegando, nosso coração se enche de alegria e começa a bater mais forte, ficamos ansiosos. É o que vemos também na história da salvação: a humanidade há muito esperava a vinda do Messias. Os profetas o viram de longe e ficaram cheios de alegria. O anjo anunciou a Zacarias o nascimento de João que vinha para “preparar o caminho”. Assim diz o Anjo sobre João Batista: “com o seu nascimento muitos se alegrarão” (Lc 1,14). O anjo também anuncia o nascimento de Jesus. O sentimento que domina é a alegre esperança, é o que o Evangelho anuncia, a liturgia celebra e a comunidade vive. Podemos dizer que o Natal é uma nova economia, e é por causa de Jesus, mesmo que a sociedade não saiba.
A liturgia, ao longo do tempo, foi se organizando em ciclos festivos. Originariamente, se organizou o ciclo pascal com a festa da Páscoa. Depois nasceram a Quaresma e o Tempo Pascal. De acordo com o mesmo esquema, foi organizado posteriormente o tempo da Manifestação do Senhor, que inclui o Natal, a sua preparação com o Advento e as celebrações do tempo do Natal com a Epifania. Isso ocorre mais ou menos nos séculos VI e VII. Neste tempo, a Esperança domina como fruto da fé.
Geralmente quando buscamos falar sobre a espiritualidade do Advento, nos atemos aos textos bíblicos dos Profetas e os relatos dos capítulos iniciais dos Evangelhos, mas aqui prefiro recorrer a um outro texto que encontramos quase que na conclusão do Evangelho de Mateus: Mt 24,37-44. Esta perícope nos apresenta com transparência muitos ícones da vinda de Deus em nossa vida, quase sobrepostos: uma faz referência a outra, desde a vinda mais imediata de cada dia até a última, por meio de Cristo Ressuscitado, que é precisamente a imagem da realização do nosso caminho histórico, pessoal e comunitário: uma sobreposição na qual a próxima imagem completa a anterior. O Advento quer educar-nos para acolher a vinda de Deus na nossa vida, quer sensibilizar-nos para a consciência da nossa condição de criaturas, para o reconhecimento do dom de Deus e para a sua acolhida. São três momentos da espiritualidade do Advento.
A consciência de nossa condição de criaturas
A razão pela qual Deus sempre vem, está no fato de que não podemos acolhê-lo em uma única situação, em um único momento: daí nossa temporalidade. Se tivéssemos a possibilidade de acolher o dom de Deus de uma só vez, já estaríamos plenos, perfeitos, já seríamos filhos, já teríamos alcançado a nossa realização. Na verdade, poderíamos dizer, somos Deus. Porque se em um único instante pudéssemos acolher o dom de Deus, isso significaria que teríamos a perfeição divina, a possibilidade de ser da altura de Deus. No início, porém, só podemos acolher um pequeno fragmento, que constitui a base do dom sucessivo; então, juntos, eles constituem a capacidade de acolher um dom ainda maior e assim por diante. Toda a nossa vida se desenvolve nesta acolhida progressiva do dom da vida.
A espera pode parecer ilusória, visto que a um certo momento vemos que começa um declínio, para o qual os dons são menores: a memória enfraquece, certas capacidades intuitivas desaparecem … Existem dons que diminuem. Mas devemos ter em mente duas coisas.
Primeiro: que todos os dons são provisórios, nunca são nossos, não podemos dizer: “Agora eu possuo”. Nós não possuímos a vida, ela sempre nos é oferecida, oferecida a cada momento, em todas as suas expressões. Ter consciência de nossa condição de criaturas significa ter certeza de que em todas as situações somos alimentados, sustentados, investidos por uma força que nos constitui. Daí que a atitude de acolhida (que é a fé) nos é estruturalmente necessária. A todo instante somos constituídos viventes. Este é o primeiro aspecto fundamental. O segundo é a convicção de que na origem de todo o processo tem a força criadora, tem o amor de Deus, tem a Sua presença. Portanto, ter consciência de nossa condição de criaturas significa aprender a desenvolver o nosso tempo em Sua presença, reconhecendo as sucessivas e contínuas vindas de Deus em nossa pequena história.
Estar ciente desses dados é essencial para compreender o significado de tudo o que vivemos. Tudo é provisório, mas tudo é funcional para o crescimento da nossa dimensão interior, aquela estatura dos filhos de Deus que permanece para sempre. Há uma realidade permanente dentro de nós, algo contínuo, que é a razão de tudo. Jesus a chamou de “o tesouro escondido”, “a pérola preciosa”, “a única coisa necessária”. A espiritualidade do Advento implica educação na dimensão profunda da pessoa, na presença em nós de uma realidade definitiva e eterna: é Deus em nós, Deus que vem na nossa vida.
Como essa consciência é abalada? Como é impedida quando não a alcançamos? É impedida pela impetuosidade das realidades aparentes, ilusórias, dos bens que se apresentam como fundamentais, do prazer que se oferece como resposta a todas as nossas tensões etc. Todas essas coisas chamam nossa atenção, nos tiram o foco, nos distraem, nos alienam. Por isso, não estamos focados no valor fundamental, no tesouro escondido, naquilo que vale a pena em nossa vida.
A consciência da vinda de Deus e a consciência de ser criaturas são a condição primordial para viver bem. E o Advento quer nos educar para viver neste clima interior.
A espera do dom de Deus
O segundo momento essencial é esperar o dom seguinte. Porque a consciência da presença de Deus também poderia fazer-nos recair sobre nós mesmos: “Sei que Deus está presente, sei que sou filho”. Mas não é suficiente. Ainda não somos o que devemos ser, devemos nos tornar. Portanto, a espiritualidade do Advento implica a espera do dom para reconhecê-lo e acolhê-lo.
A espera não tem um objeto definido: não sabemos qual é o dom que vem, qual é a novidade que irrompe. Por isso é uma espera de fé. Tudo o que esperamos sabemos que é ilusório, porque é projetivo. Quando esperamos algo e sabemos o que esperamos, não é um dom de Deus, é algo que projetamos com base na nossa necessidade, como uma resposta à nossa carência. Esperar o que precisamos não é ruim em si, mas devemos estar cientes de que não é o objeto real de nossa espera, é apenas o espaço onde exercitamos uma outra espera, a espera do dom de Deus.
Deixe-me explicar com um exemplo bem simples: um aluno que se determina no estudo aguarda o resultado positivo de sua prova. Mas se ele simplesmente esperar pelo resultado, está errado ao estabelecer esse único horizonte para sua vida, provará uma desilusão. No momento ficará feliz por ter ido bem, mas depois descobrirá que algo está faltando. E isso vale para todas as nossas esperas: descobrimos sempre que depois do momento de satisfação surge uma amargura, uma espécie de vazio, uma insuficiência. O que falta não é um “mais” que deve vir, mas o que já veio e que não acolhemos, porque não o reconhecemos e não o esperamos.
O que é esse “mais”? É aquele dom da vida por meio do qual podemos crescer na dimensão espiritual, ou seja, como filhos de Deus. É um dom verdadeiro, que é oferecido em todas as situações, não fora. Não fora da prova, do trabalho, do encontro com o outro, porém, naquela situação. Mas não é esse o resultado que esperávamos e que pode nem vir, enquanto o dom da vida sempre vem.
Continuando o exemplo anterior: se o aluno simplesmente esperar o resultado positivo e o obtiver, ficará insatisfeito com algo que não é suficiente. Se ele fizer a prova e não obtiver o resultado positivo, ficará desapontado e amargurado. Mas se ele foi educado para acolher o dom de Deus, ou seja, a força vital pela qual ele poderia crescer como filho de Deus naquela experiência – e, portanto, na espera do resultado atendia Deus que vinha – a espera teria sempre uma resposta, seja no caso de resultado positivo, quanto no caso de resultado negativo. Isso não significa que não teria sofrido com o fracasso, mas não teria caído no desespero, não teria sentido angústia: em todo caso, o que realmente valia é que ele havia esperado e reconhecido.
Isso se aplica a todas as experiências da nossa vida. O erro que muitas vezes cometemos é uma espera superficial: o encontro com o amigo, a assistência aos enfermos, o prazer da pessoa que amamos, o sucesso do nosso pequeno negócio, as respostas positivas aos nossos pedidos… Estamos apenas esperando por isso. São coisas boas, mas não são objeto específico da espera, não são Deus que vem; porque Deus vem na saúde e na doença (mesmo que a doença não corresponda à vontade de Deus), Deus vem seja no sucesso ou no fracasso (mesmo que o fracasso não corresponda à vontade de Deus). A força de vida que nos é oferecida está sempre à nossa disposição. Então, tomar consciência de nossa condição implica o exercício de esperar o dom da vida espiritual, com o qual crescemos como filhos de Deus.
É por isso que não conhecemos o dom. Sabemos tudo o mais: conhecemos o desejo da realização, do sucesso. Agora, tudo a que damos um nome é a nossa altura, não é o “mais” que dá sentido à nossa vida. É por isso que o esperamos na fé: não podemos dar-lhe o nome, mas abandonamo-nos sem reservas a Deus: “Tu o sabes”.
A acolhida do dom de Deus
O terceiro aspecto fundamental da espiritualidade do Advento é a acolhida do dom. Porque podemos esperar o dom, reconhecê-lo, mas não nos preocupar em acolhê-lo, porque estamos tão preocupados com as coisas superficiais que o dom básico nos escapa. Podemos também estar cientes disso, mas não o acolhemos, não o internalizamos. A acolhida do dom é um processo ativo, não é uma recepção passiva. O dom de Deus nunca está empacotado: é uma força, é uma possibilidade à qual você dá rosto, à qual você dá concretude. Não são como os dons que confeccionamos de acordo com o nosso gosto, que embrulhamos e damos aos amigos. Não, o dom de Deus é um dom de vida e é um dom que envolve liberdade e oferece decisão: não é uma ação que se soma à nossa ação, um pensamento que se acrescenta ao nosso pensamento. Não, é uma força que se torna nossa ação, é uma verdade que se torna nosso pensamento.
A acolhida implica, portanto, sintonia vital e interioridade, caso contrário o dom nos escapa, nos passa próximo. O problema fundamental da nossa vida é que muitos dons passam por nós e nunca se concretizam em nós: nunca se tornam pensamento, decisão, sensibilidade, misericórdia, ternura, perdão. Deus passa por nós e não é acolhido. Jesus disse: “E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu” (Jo 6,39).
Se nós também vivêssemos com este critério: que não se perca nada do que Deus continua doando-nos!