Johan Konings SJ
Em meio à situação de guerra provocada por um vírus invisível e à crise política provocada por um visível demais, creio que cabe uma palavrinha de compadre. Não quero moralizar, apenas pensar.
O apóstolo Pedro diz que importa “dar as razões de nossa esperança” (1Pedro 3,15). Essa esperança não se refere ao suposto tempo de recuperação depois da “crise” (a enésima e certamente não a última, apesar de Nostradamus…). A esperança se refere à confiança de estar no rumo certo diante da Última Instância, que não tem data de limite.
O conceito de “esperança” é mais estimulante que aquilo que geralmente se chama “fé”. De fato, para muitas pessoas fé é crença em doutrinas, aceitação de normas morais e “prática religiosa”. Na linguagem da Bíblia (de Jesus e dos primeiros cristãos), fé significa firme confiança e fidelidade, e a “obediência da fé” não é aquela cega submissão de ovelhas que servem para serem tosquiadas e abatidas, mas o “escutar” (superlativo de ouvir) a um Mestre, um Profeta, um porta-voz de Deus, que para nós é Jesus de Nazaré, acreditado como Messias ou Cristo. E que terminou na cruz porque foi “aquele” Mestre!
Há cristãos que pensam que a cruz de Jesus nos liberta dos pecados, e basta. Não. Crer na cruz significa crer no Mestre que foi crucificado por causa de sua palavra e gestos, e segui-lo no “Caminho” que ele é em pessoa (João 14,6). A cruz é a prova da verdade do caminho de Jesus e também do seu discípulo. E a nossa esperança é que esse caminho não seja absurdo como o da sociedade do consumo e do prazer. O caminho de Jesus é o da comunidade e do amor efetivo. “Não amemos só com palavra e língua, mas em ação e verdade” (1João 3,18).
O coronavírus mexe com nossos planos de viagem? “E agora vós, que dizeis: hoje ou amanhã iremos a tal cidade, passaremos ali um ano, negociando e ganhando dinheiro. No entanto, não sabeis nem mesmo o que será da vossa vida amanhã!” (Tiago 3,13-14). Não foi Nostradamus que anunciou esse vírus, foi Tiago. E o ministro da Economia vai ver que as domésticas não vão mais à Disneylândia…
O vírus nos conscientiza de que produzir para consumir e assim enriquecer sempre mais os donos da produção é o caminho mais absurdo que a humanidade pode seguir. Viver serve para viver a vida como dom de Deus. “Viver para ser”, isto é, para estar diante de Deus e de nossos semelhantes, à luz da morte, que é o Amém (“Tá firme!”) que consagra a nossa vida para sempre, se tiver sido consagrada aos que Ele nos deu como companheiros/as no caminho.
Muitos de nós podemos viver com muito menos do que costumamos usar. A tecnologia até nos ajuda: não é preciso tomar o avião para manter contatos quer científicos, quer sociais. Temos internet e whatsapp. Dizem que o smartphone torna individualista. Depende de como você o usa. É como o (bom) vinho. Usado bem, dá alegria, boa digestão e expansão da alma. Usado mal, dá vício, dor de cabeça e isolamento. O progresso tecnológico não resolve tudo, sobretudo não o enriquecimento sem ônus social. O progresso só progride se tiver base sadia, e essa base é a comunidade. Não importa chegar à Lua, mas pisar o chão de nossa terra e, para isso, cuidar dela. E da gente. Talvez o vírus (a superar) e a eletrônica (sem vírus) nos ajudem a reestruturar algumas coisas em nossa sociedade.
Bom, é o que, por ora, me passa pela cabeça. Quanto a mim, continuo meu trabalho de professor de Bíblia e, nos fins de semana, de ajudante paroquial, gozando assim breves momentos bem perto do povo mais simples, sentindo que seria preciso fazer muito mais… quando terminar o isolamento.