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Eleições: para que servem nossos representantes?

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Eleições: para que servem nossos representantes?

Álvaro Mendonça Pimentel SJ

As eleições municipais se aproximam. Eleitores de 5.570 municípios elegerão quase 65.000 representantes, no caso, prefeitos e vereadores. O que deveria ser um grande e empolgante evento democrático, no entanto, é encarado por muitos com ceticismo e desprezo. Inquieta, por exemplo, o alto número de indecisos a declarar que só decidirão seu voto na semana ou mesmo no dia da eleição. Critérios para uma escolha correta não faltam, mas, talvez, não esteja tão clara a finalidade da escolha. Para que elegemos prefeitos e vereadores? E a pergunta poderia estender-se e tornar-se abarcante: para que a política? Neste pequeno ensaio não pretendo falar sobre o sentido profundo da política, embora este sentido, quando se trata do assunto, sempre se apresente, explícita ou implicitamente. Desejo, antes, compartilhar algumas convicções, colhidas da experiência e da reflexão, sobre a utilidade da política, o que não se afasta, aliás, do seu sentido entendido como finalidade.

Ao tratar deste tema, tenho diante de mim aqueles rostos céticos a que me referia acima. Caso nos encontrássemos, me advertiriam, com pesar e comiseração: meu caro, a política não presta, não serve para nada, ou melhor, serve apenas para enriquecer pilantras e curvar a sociedade ao domínio e aos interesses de gigantescas corporações, pertencentes a algumas famílias ou indivíduos riquíssimos. Devo considerar esta opinião e mostrar, com a experiência dos povos e um pouco de ciência, que, sim, a política é útil e sensata. E de uma utilidade necessária. Que meus interlocutores céticos com a política também trariam experiências que comprovam sua opinião, disso não posso duvidar. Como fechar os olhos, por exemplo, face ao desvio de verbas (parcas) que deveriam ter sido destinadas ao combate da pandemia em nosso país… e em tantos países? Ou à destruição criminosa de nosso meio ambiente? E, de minha parte, que fatos poderia apresentar? Seriam eles abundantes e fortes o suficiente para contrabalançar apenas estes, agora evocados? Faz parte da política a persuasão, por meio de argumentos válidos. Eis o que pretendo apresentar ao juízo dos leitores. Meu texto se converterá, então, em ato político, no sentido nobre dessa expressão.

A primeira experiência ou primeiro argumento consiste, simplesmente, em que a Política é muito antiga. Desenvolveu-se em muitos sentidos e formas, mas sua utilidade e finalidade prática permaneceram sempre a mesma. Suas raízes retrocedem aos primórdios das sociedades humanas. Nós, os humanos, não fomos organizados pela mãe natureza como foram as formigas ou as abelhas. Foi preciso criar regras para nossa convivência e fazê-las cumprir: eis aqui a primeira semente do que hoje chamamos política. Se nos imaginássemos no grande fluxo histórico em que foi gerada, o que veríamos? As sociedades que encontravam as melhores regras, organizando-se de modo a saber como conseguir seu alimento, como proteger-se das intempéries, como defender-se de inimigos, como curar-se de doenças… As sociedades que aprendiam a comunicar-se com os espíritos ou forças das florestas, das savanas, dos rios e dos mares, que melhor contavam as histórias antigas de seus deuses e com eles se identificavam para, logo, se diferenciarem de outras… Aquelas que se fortaleciam, por meio do conhecimento e da ação… Essas sobreviviam. Tornava-se fundamental, igualmente, transmitir as descobertas dos antigos às próximas gerações e garantir que a ordem assim criada não se quebrasse com o tempo. Sociedades nasceram e morreram, ao longo da história. Mas só puderam durar enquanto se articularam, em níveis mais ou menos complexos, e produziram seus representantes. Pessoas incumbidas de promover a ordem ou organização de uma tribo, povo ou cidade, de tal modo que a vida pudesse durar no tempo, que determinadas formas de vida em comum florescessem e fossem, inclusive, capazes de espalhar suas sementes em outros e longínquos campos do planeta. Quando seus representantes não atendiam a essa finalidade, mesmo que possuíssem o poder de fato, logo perdiam sua autoridade e novos chefes surgiam. Revoltas e revoluções nasceram deste centro de exercício do poder.

Sem dúvida, nessa história, aqui apenas delineada grosso modo, não faltaram violência e extermínio, como no caso da colonização brasileira e de nossa constante expansão e ocupação, por usurpação, das terras dos povos originários. Em outra ocasião, desejo refletir a esse respeito. Mas aqui devo manter meu foco na argumentação: representantes são úteis e necessários, diz-nos a história dos povos.

Em nosso caso, nós os elegemos. Este ato singelo tem utilidade essencial, como mostrei acima, pois está fundado em experiência antiguíssima e sempre repetida pelos antepassados: os humanos “produzimos” representantes. Esses são escolhidos pelos Deuses, ou nascem em famílias de antigas linhagens de senhores, ou brotam por suas habilidades guerreiras e técnicas… Há mil formas legítimas de “produção”. No caso das democracias, embora apenas com alguns séculos de experiência, a “vida” a proteger tem uma forma especial, que marca o modo da escolha. Trata-se de garantir e promover a sociedade de homens e mulheres livres, capazes de respeito recíproco e de trabalhar para o bem de todos. Cada cidadão ou cidadã tem a mesma dignidade dos demais e de forma incondicional. Por isso, cada pessoa tem o mesmo peso no momento da escolha, ou seja, um voto. Mas, enfim, qual é, exatamente, a utilidade dos representantes assim eleitos?

Eis a segunda experiência que desejo evocar. Precisamos trabalhar para sobreviver. E não apenas trabalhar, mas também encontrar um mundo ordenado de tal modo que vivenciemos a liberdade, nas iniciativas e no convívio com outros, e a igualdade, quando usufruímos das oportunidades e dos bens da comunidade. Mas se não houver uma força que una e organize a sociedade, ou seja, se esta não for articulada para agir, não poderá trabalhar com proveito, os mais fortes escravizarão os mais frágeis e a desigualdade se imporá como única lei. Não bastam, portanto, instituições e leis, que são indispensáveis instrumentos para promover a justiça, no melhor dos casos. Também são necessários homens e mulheres justos que façam as instituições funcionarem e velem pela aplicação das leis, uma vez que tenham recebido o mandato e o poder para isso. E recordemos que leis e instituições têm aspectos precários, e são, elas também, passíveis do movimento ininterrupto da história, em que sociedades emergem, durante algum tempo, para, enfim, desaparecer. Nossos representantes recebem autoridade para mudar e aprimorar, para conservar e promover nossas leis e instituições, sempre em função da utilidade ou finalidade mencionada.

Cabe também esclarecer que representantes não são eleitos para cumprir promessas. Mas para levar adiante a vida das sociedades, tomando decisões que serão obedecidas por causa de sua autoridade e por serem razoáveis e fecundas. Representantes são muito diferentes, portanto, de delegados ou diplomatas, que devem agir em negócios específicos, segundo instruções precisas. Prefeito e vereadores, por exemplo, se apenas se restringissem a cumprir tarefas pré-definidas, como se fossem delegados ou diplomatas, estariam traindo sua função. O ideal da política consiste em colocar em forma o corpo social, garantir sua existência e ação. Isto exige, sem dúvida, projetos que deem sentido ao labor cotidiano, e cuja implementação levem a valorizar o que é público e a convivência amiga entre nós. Mas cada resultado deve estar dirigido à utilidade maior, que é a unificação da sociedade, no respeito às diferenças, para que todos tenham vida.

Essas considerações precisariam ser completadas, se fosse o caso de dar a entender qual a natureza da política, qual o seu fio condutor, qual o seu significado mais profundo. Mas esse não era meu propósito. Por ora, desejo apenas afirmar o seguinte: decisões que desarticulam o município, o estado ou a nação, seja por omissão, seja por imperícia, incompetência ou desonestidade, terminam por adulterar a legitimidade dos representantes e seu poder efetivo de fazer-se escutar, quando buscam persuadir, e de serem obedecidos, quando decidem. As eleições periódicas são o principal meio de correção do problema, embora haja outros meios mais imediatos, que se aplicam em casos extraordinários, como quando há perda quase total da legitimidade. Nesses tempos pesados de crises sanitária, política e econômica, conversemos entre nós, avaliando as atitudes e ações de nossos prefeitos e vereadores. Foram omissos, incapazes, desonestos? Se tal caso se apresentasse, teriam sido não apenas inúteis, mas prejudiciais à vida social. E deverão, portanto, ser banidos, ao menos por bom período, para que outros melhores desempenhem suas funções. Comprometeram-se na busca bem informada de soluções e tiveram a coragem de executá-las, enfrentando interesses menores, ainda que de modo imperfeito? Parece-me que deveriam ser mantidos, sobretudo, na falta eventual de opções. Busquemos, enfim, o melhor para a vida em sociedade, com consciência e ânimo renovados.

Álvaro Mendonça Pimentel SJ é professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

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