Johan Konings SJ
Embora depois de séculos de exegese científica ainda não esteja confirmado se a advertência de Jesus à Madalena em João 20,17 deve ser traduzida com “Não me toque” ou “Não me segure”, uso a primeira tradução para a finalidade deste texto. Aliás, se optasse pela outra tradução, ficaria apenas ainda mais contundente…
Quero falar sobre o que mudou, essencialmente, com a chegada do Covid-19, pelo qual todos nós podemos ser “covidados”. Não podemos mais tocar-nos uns aos outros. Tragédia no país do toque, do tapa nas costas, do abraço, do beijo… Cada um é suspeito de ser portador do vírus que só se manifesta quando é tarde. Como na política…
Não pense que estou brincando, embora pareça (a gente ri para não chorar). Mudou nosso modo de nos aproximarmos uns dos outros. A voz do nosso inconsciente nos sopra no ouvido do coração: “Cuidado, teu colega pode ser transmissor”. Do vírus. Até os objetos inocentes se tornam inimigos. Tomar chimarrão da mesma cuia, caipirinha do mesmo copão de madeira com o socador no meio, segundo a milenar (?) tradição dos gaúchos, nem se pensa! Distância!
Não é só uma medida provisória que terminará com a chegada de uma vacina aceitável e comercializável. Deixa na alma uma nova percepção das pessoas. Do outro. Da outra. Não é mais simplesmente colega, amigo/a, namorado/a… ou, religiosamente, irmão ou irmã. É perigo. Coitado/a, a culpa não é dele/dela, mas, nestes tempos de objetividade… ele/ela é! Os dois metros de distância não negam a realidade.
Até os objetos são suspeitos. Os plásticos conservam o bicho por quinze, vinte horas. De repente, o telefone celular transmite o vírus, mesmo! Não por algum app contaminado, mas por sua mera fisiologia! Paradoxalmente, esse mesmo aparelho continua propagando o fisiologismo na política.
Perdemos a inocência do contato espontâneo. Perdemos a virgindade.
Quem conheceu o puritanismo nórdico até se acomoda. Já conhece isso. Aprendeu a esconder por trás de um sorriso (nem sempre) civilizado uma insuperável distância. “Não me toque”… no ombro, no braço, no coração.
Um Brasil puritano? Não é impossível. Lembre-se: “Toda nudez será castigada”. Nelson Rodrigues que o diga. Mas será mais “civilizado”, mais eficiente, mais “primeiro mundo”? Duvido. Será mais triste, com o coração doído, ou doido. De dor.
Meu próximo… aquele de quem não devo me aproximar.
Johan Konings SJ é teólogo, professor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, e autor de vários livros e artigos publicados.