Geraldo De Mori, SJ
“Fomos batizados num só Espírito, para formarmos um só corpo” (1Cor 12,13)
Após um mês intenso de trabalho, concluiu-se, no dia 29/10/2023, a 1ª Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se debruçou sobre o tema geral anunciado em 2021 pelo Papa Francisco: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”. Nas mídias eclesiais, sobretudo, muito se falou durante todo o mês sobre o método utilizado, o da “conversação espiritual” ou “diálogo no Espírito”, simbolizado nas mesas ao redor das quais se deu boa parte das discussões na sala Paulo VI. Dois documentos foram publicados no final desta 1ª Sessão: a “Mensagem ao Povo de Deus” e o “Relatório de Síntese”, que tem como título: “Uma Igreja sinodal missionária”. O presente texto propõe uma visão de conjunto desse segundo documento.
Várias análises têm sido feitas desde a publicação do Documento de Síntese, algumas, muito críticas, apontam para os resultados “magros” ou “decepcionantes” nele presentes, que são o sintoma das resistências que atravessam o corpo eclesial com relação ao caminho sinodal; outros, mais otimistas, situam esse caminho na dinâmica de um dos princípios que, segundo o Papa Francisco na Evangelii gaudium, marcam a realidade social: o “tempo é superior ao espaço”, ou seja, importa mais “inaugurar processos” do que “possuir espaços” (EG 233). Para se compreender o teor do Relatório de Síntese é necessário primeiro lê-lo. O presente texto propõe uma.
O Relatório retoma em vinte capítulos, reagrupados em três partes, o que foi discutido ao longo da 1ª Sessão Sinodal. Cada capítulo, conforme afirma a Introdução, recolhe as “convergências”, as “questões” a serem afrontadas e as “propostas” que brotaram do “diálogo no Espírito”. As convergências identificam os pontos firmes a serem assumidos. São como “um mapa” que ajuda a encontrar o caminho, evitando se perder. As questões a serem afrontadas recolhem os pontos que ainda necessitam de aprofundamento, no plano teológico, no pastoral ou no canônico. As propostas indicam as possíveis pistas a se percorrer, algumas sendo sugestões, outras recomendações, outras apontando para mais força e determinação na aplicação. O Relatório será discutido nas Conferências Episcopais e na Estrutura Hierárquica das Igrejas Orientais Católicas, concentrando-se nas questões e nas propostas mais “relevantes e urgentes”.
Os sete capítulos da Primeira Parte, denominada “O rosto da Igreja sinodal”, oferecem uma compreensão geral do que se entende por sinodalidade. O primeiro, “A sinodalidade: experiência e compreensão”, insere a perspectiva sinodal nas práticas do Novo Testamento e na Igreja das origens, lembrando que ela faz parte da forma histórica de muitas Igrejas particulares, que foi atualizada pelo Concílio Vaticano II e encorajada pelo Papa Francisco. O segundo capítulo, “Reunidos e convidados pela Trindade”, recorda o fundamento trinitário da Igreja, povo reunido em virtude da unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo (LG 4), e lembra que o caminho sinodal é orientado ao Reino. O terceiro capítulo, “Entrar em uma comunidade de fé: a iniciação cristã”, lembra que a iniciação cristã é o itinerário através do qual o Senhor, mediante o ministério da Igreja, introduz os fiéis na fé pascal e os insere na comunhão trinitária e eclesial. Ela dá origem a uma variedade de vocações e ministérios eclesiais, mas que, antes da distinção entre carismas e ministérios, todos são batizados no mesmo Espírito para formar um só corpo (1Cor 12,13). O quarto capítulo, “Os pobres, protagonistas do caminho da Igreja”, inicia lembrando que da Igreja os pobres pedem amor, e por amor se entende respeito, acolhida e reconhecimento. O texto lembra ainda que a opção preferencial pelos pobres é implícita na fé cristológica, pois Jesus fez amizade com os pobres, caminhou com eles, dividiu a mesa com eles e denunciou as causas da pobreza. O quinto capítulo, “Uma igreja de toda tribo, língua, povo e nação”, recorda que os cristãos vivem em uma cultura específica e que os contextos culturais, históricos e regionais nos quais a Igreja se faz presente apontam para necessidades espirituais e materiais diferentes, inserindo a Igreja em contextos cada vez mais multiculturais e multirreligiosos. No sexto capítulo, “Tradições das Igrejas orientais e da Igreja latina”, evoca a particularidade litúrgica, teológica, eclesiológica e canônica das Igrejas orientais em comunhão com a Igreja católica e sua contribuição no caminho sinodal. O capítulo sete, “A caminho da unidade dos cristãos”, lembra que a XVI Sessão do Sínodo começou sob o signo do ecumenismo, na vigília de oração do dia 29/09/2023, que o batismo é o fundamento do ecumenismo.
A Segunda Parte, “Todos discípulos, todos missionários”, é constituída de seis capítulos. O primeiro, “A Igreja é missão”, lembra a identidade missionária da Igreja, que faz com que todos os batizados sejam responsáveis pela missão. O segundo, “As mulheres na vida e na missão da Igreja”, inicia lembrando que todos, homens e mulheres são criados à imagem e semelhança de Deus”, que a criação articula unidade e diferença, conferindo à mulher e ao homem uma natureza, uma vocação e um destino compartilhado e duas experiências distintas de humanidade, ambas revestida da mesma dignidade batismal e igual medida e dons do Espírito. O terceiro capítulo, “A vida consagrada e as associações laicais: um sinal carismático”, recorda a dimensão carismática da Igreja, que se manifesta em particular na vida consagrada e nas associações laicais. O quarto capítulo, “Diáconos e presbíteros em uma Igreja sinodal”, retoma a vocação dos presbíteros e diáconos numa Igreja sinodal, lembrando o obstáculo do clericalismo na missão e a necessidade de um estilo de corresponsabilidade. O quinto capítulo, “O bispo na comunhão eclesial”, recorda a teologia do Vaticano II sobre o episcopado e o apelo a que seja vivido de modo sinodal. O sexto capítulo, “O bispo de Roma no colégio dos bispos”, indica as novas luzes que a dinâmica sinodal confere ao ministério do Papa, pois articula de modo sinfônico a dimensão comunitária (“todos”), colegial (“alguns”) e pessoal (“um”) da Igreja em nível local, regional e universal.
A Terceira Parte, “Tecer laços, construir comunidade”, é composta de sete capítulos. O primeiro, “Uma aproximação sinodal da formação”, lembra a importância da formação em perspectiva sinodal, seja do conjunto dos batizados, seja dos que se preparam para o ministério ordenado. O segundo capítulo, “Discernimento eclesial e questões abertas”, evoca o método da conversação espiritual, mostrando a importância que nele se dá à escuta, mas indicando também o que é necessário para que um real discernimento aconteça, como a escuta da Palavra de Deus e da tradição, a relação entre amor e verdade, as questões difíceis que “polarizam” os debates na Igreja, como a identidade de gênero, o fim da vida, as situações matrimoniais difíceis, a problemática ética da inteligência artificial. O capítulo terceiro, “Por uma Igreja que escuta e acompanha”, evoca a experiência vivida no sínodo, que torna possível a tomada da palavra e aponta para grupos e situações não escutadas na Igreja. O capítulo quarto, “Missionários no ambiente digital”, lembra que a cultura digital representa uma mudança fundamental no modo de conceber a realidade, a si mesmo, os demais e Deus, sendo uma dimensão crucial do testemunho da Igreja na cultura contemporânea. O capítulo quinto, “Organismos de participação”, lembra que todos os batizados são corresponsáveis pela missão, cada um segundo sua vocação, experiência e competência. A corresponsabilidade de todos e todas está em função da missão. O capítulo seis, “Os reagrupamentos de Igreja na comunhão de toda a Igreja”, indica as novas formas de articulação da Igreja em algumas regiões. O último capítulo, “Sínodo dos bispos e assembleia eclesial”, traz as discussões que o modo como funcionou o presente sínodo levantou no seio do episcopado e no conjunto dos demais membros do corpo eclesial.
Geraldo De Mori, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE