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Tirania invisível

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Élio Gasda, SJ

Tempos complexos. Tempos complicados!

Em que momento da história nos encontramos? O período atual caracteriza-se por uma poderosa ofensiva em várias frentes interconectadas: a ideológica, a econômica, a política e a cultural. Não há fórmula mágica para explicar um fenômeno histórico em constante mutação.

Compreender nosso momento histórico é tomar a sério, com todas as consequências, a complexidade da sociedade e as formas de controle desses tempos estranhos. O sistema capitalista reorganizou-se para retomar sua expansão, prosperidade e poder fragilizados desde a Segunda Guerra Mundial.

Testemunhamos uma inédita ditadura, diz Papa Francisco: “Instaurou-se uma nova tirania invisível que impõe, de forma unilateral e implacável, suas leis e regras. In­teresses do mercado divinizado são transformados em regra absoluta” (Evangelii gaudium, 54). Estamos presos nas garras de uma influência letal globalizada que parece inútil questioná-la. Opor-se a ela, então, seria delirante.

Não estamos lidando com o “capitalismo de sempre”. Atualmente, seu adjetivo fundamental é financeirização. O rentismo transformou um setor da economia – o setor financeiro – em atividade fim. Tudo pode ser monetizado. A financeirização executa a tirania invisível capturando uma parcela considerável da riqueza – material e imaterial – produzida pela sociedade. Nos últimos dois anos, 1% mais rico do mundo embolsou dois terços de toda a riqueza gerada no planeta (US$ 42 trilhões), ou seis vezes mais que 90% da população (OXFAM. https://www.oxfam.org/en/research/survival-richest).

Riqueza e pobreza extremas aumentaram muito e ao mesmo tempo. A sociedade financeirizada reproduz em escala mundial a parábola do ‘rico epulão e do pobre Lázaro’ (Lc 16, 19-31). Milhões de Lázaros desesperados e famintos são violentamente expulsos todos os dias do banquete do mercado para que alguns ricos possam desperdiçar à vontade. A tirania do financeiro leva à intensificação da exploração do trabalho e à destruição da natureza para satisfazer a um minúsculo grupo de rentistas vorazes que aguardam impacientes o retorno do seu capital multiplicado de forma estratosférica.

Está em marcha uma ideia fixa: a corrida maluca ao lucro. “O sistema responde exclusivamente às expectativas dos investidores em detrimento da sociedade e está controlado por uma classe a serviço de acionistas” (Bento XVI, Caritas in Veritate, 40).

“O mercado obriga”, “a competitividade exige”, “reestruturar para competir”, são dogmas, não são argumentos. Essa tirania invisível sem estar oficialmente no governo, governa. “Especialistas” da mídia porta voz do mercado propagam o pânico do colapso da economia para receitar mais austeridade, ajuste fiscal, controle da inflação, privatização. Chantageiam governos sob a narrativa de “decisão técnica”.

A senha? Adaptar-se! Adaptar-se mais e mais. Não há outra saída? Quantas decisões desastrosas justificadas dessa forma. Falsas questões encobrem o verdadeiro problema e geram o pretexto de encontrar, a qualquer custo, as soluções ditadas pela tirania invisível.

Muitas adaptações a contextos transitórios corrompem a identidade e a finalidade do Estado, das empresas, das instituições. O trágico para os que esforçam em se adaptar é a contingência do cenário, pois decidem como se estivessem no “fim da história” (Fukuyama). É como se todas as saídas conduzissem a calabouços ainda mais sombrios.

A que campo pertencemos ou somos levados a pertencer? Que lado nos convém?

A tirania invisível nos abandona em uma situação estranha, mergulhados “nesta economia sem rosto e sem objetivo verdadeiramente humano” (Evangelii gaudium, 55). Não temos consciência suficiente nem ousadia necessária para resistir. De onde vem o fato de não reagirmos e cedermos como se estivéssemos em um beco sem saída?

“Não sabemos o que está acontecendo conosco. E é precisamente isso que está acontecendo conosco” (José Ortega y Gasset).

 

Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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