Pe. Manoel Godoy
A capacidade de escuta poderá ser adquirida por quem passou a vida falando, pregando, ensinando, aconselhando? A Igreja como mãe e mestra está sendo desafiada, mais do que nunca, a exercitar o silêncio e passar a escutar as pessoas que lhe procuram como um dos últimos redutos de quem está disposto a simplesmente escutar. Já é bastante comum a experiência de confessores que aprenderam a escutar que, sem dizer uma só palavra a quem lhes procuram, no final do encontro ouvem: o senhor não imagina como me ajudou. Saber escutar pode significar a maior ajuda a quem não tem mais esperança de ser ouvida.
O Papa Francisco pode até mesmo ter surpreendido a muitos no início da sessão do Sínodo que teve lugar no Vaticano no mês de outubro deste ano. Chamou a todos a começar fazendo silêncio, para dar prioridade à escuta, sobretudo à escuta do Espírito Santo. Desta forma, ele marcou o Sínodo com esta característica: para caminhar juntos, precisamos nos escutar mutuamente. Escuta faz parte da sinodalidade. Há muito ruído na comunicação atual, quer dentro, quer fora da Igreja. Quantos desentendimentos têm origem na falta da escuta. Vivemos com respostas prontas, a tal ponto que até respondemos a perguntas não feitas.
O Papa chegou a dizer que, para o exercício do silêncio e da escuta, faz-se necessária a ascese. Lembremo-nos de que ascese está associada à austeridade, à disciplina, ao autocontrole. Somente assim conseguimos abrir espaço para uma interlocução sadia e construtiva, sem posições polarizadas. Aliás, a polarização é, na maioria das vezes, fruto da falta de escuta. Quando nos escutamos mutuamente podemos até discordar, mas temos a chance de compreender o ponto de vista de outrem. Para isso, o Papa sugere um certo jejum da palavra.
A escuta precisa ser uma prática comum a perpassar todos os organismos eclesiais, impregnando de maneira própria a hierarquia, pois o exercício do poder só é sadio quando há o esforço da escuta. Poder sem escuta pode gerar conflitos desnecessários. Percebe-se pela inspiração do Papa Francisco que a escuta é componente próprio da sinodalidade. O processo sinodal vai marcar toda a caminhada eclesial se nos deixarmos tocar pelas indicações tão preciosas do Papa Francisco. Sinodalidade, silêncio e escuta são marcas indeléveis do processo que está sendo desencadeado com esse Sínodo. Por uma Igreja mais sinodal implica exatamente isso: mais que mestra, discípula; mais que pregadora, testemunha; mais que portadora das certezas doutrinais, aprendiz do único Mestre.
Um autor desconhecido expressou muito bem o que significa debruçar-se sobre a capacidade de escuta. Diz ele: “Quando lhe peço que me ouça e você começa a dar conselhos, você não faz o que eu pedi. Quando lhe peço que me ouça e você começa a me dizer que eu não deveria me sentir desse jeito, você está passando por cima dos meus sentimentos. Quando lhe peço que me ouça e você sente que deve fazer alguma coisa para resolver meus problemas, você está falhando comigo. Talvez seja por isso que a prece funciona para algumas pessoas. Deus é tímido, Ele não oferece conselhos nem tenta consertar as coisas. Ele só escuta. E confia em você para resolvê-las por si próprio. Então, por favor, me ouça! E se você quiser falar, espere alguns minutos até a sua vez. E eu prometo escutá-lo”.
O Deus do silêncio e da escuta é aquele que respeita os nossos processos, pois confia em nós e espera pacientemente que saibamos agir com sabedoria, guiados pelo Espírito, que Ele mesmo nos deu como garante na história. As parábolas escatológicas nos pedem vigilância e perseverança. Tais atitudes serão mais bem vividas se formos capazes de desencadearmos em nossas vidas processos regados do silêncio e da escuta.
Nossos processos pastorais também ganharão em qualidade se forem impregnados desta atitude de escuta, antes de definirmos quais são nossas prioridades. Além de método, o silêncio e a escuta poderão ser também prioridades pastorais, pois assim, colocaremos nossas comunidades em atenção à fala mais importante para todos: a voz do Espírito. Ouçamos o Espírito e viveremos com mais intensidade os caminhos sinodais. Caminhando juntos, de mãos dadas e ouvidos abertos, com o coração ardente, mas com os pés no chão de nossa realidade.
Pe. Manoel Godoy é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE