Luiz Sureki, SJ
Embora muitos verbos de nossa língua tenham significado semelhante ao do correspondente substantivo, tal como beber e bebida, experimentar e experiência, temperar e temperança, isso não ocorre exatamente com esperar e esperança!
Esperar denota uma atitude um tanto passiva. Trata-se de um aguardar; a exemplo de alguém que, sentado no ponto, espera/aguarda o ônibus que ali vai passar.
Esperança implica uma atitude ativa. Trata-se de pôr-se em movimento, tomar alguma iniciativa; a exemplo de alguém que corre até o ponto para não perder o ônibus que ali vai passar. Uma pessoa esperançosa não fica simplesmente aguardando as coisas acontecerem, mas, na medida do possível, se antecipa aos acontecimentos movida pela representação de um bem.
Ao iniciarmos um novo ano letivo, seria muito bom se não ficássemos esperando/aguardando por uma crise para descobrirmos o que é importante na vida; que não ficássemos esperando perder para dar valor; esperando a morte para dar flores; esperando a doença para valorizar a saúde; esperando partir para percebermos a falta; esperando o melhor salário para nos empenharmos no trabalho; esperando tirar nota baixa para começarmos a estudar, e assim por diante. É preciso ser proativo, como dizem os empresários, procurar conhecer as próprias capacidades, planejar, investir nas potencialidades, nos dons. “Quem não for belo aos vinte anos, forte aos trinta, esperto aos quarenta e rico aos cinquenta, não pode esperar ser tudo isso depois”, disse Martinho Lutero numa das “Conversas à Mesa”.
A esperança é uma companheira nossa; na verdade só nossa! É um distintivo do ser humano. Deuses, anjos e demônios não têm esperança porque não têm relação com o tempo do futuro. Desde o mito grego de Pandora até a volumosa obra de Ernst Bloch (O Princípio Esperança), desde a teologia da promessa/esperança bíblico-judaica até a “Teologia da Esperança” de Jürgen Moltmann, a esperança é tema recorrente em todas as tradições humanas. Ela aparece na antropologia, na ética, na psicologia, na literatura universal, e muito especialmente na religião.
O interesse do ser humano não está orientado para algo do passado, nem mesmo se prende em algo no presente, mas volta-se sim para algo no futuro, para o que ainda não é, para o que pode vir a ser, e, assim, para o próprio ser humano agente que, como tal, não está pronto, acabado, concluído, mas se vê no interior de um processo vivo e dinâmico a “ser mais do que é”, saber mais do que sabe, amar mais do que ama.
Muito espontaneamente, compreendemos esperança como uma perspectiva sobre algo favorável, um forte desejo ou crença que algo positivo há de acontecer; um tipo de otimismo em relação a algo que virá (a alguém) no futuro ou, ainda, um crer que algo há de acontecer no futuro, mas que só provavelmente acontecerá, uma confiança no futuro.
A questão é: quais são as fontes da possibilidade de se alcançar o algo bom que se espera? A resposta lapidar é: você mesmo, a natureza, e os outros.
Retomemos o raciocínio: “Não vou esperar tirar nota baixa para começar a estudar, mas vou estudar para não tirar nota baixa”. Pois, bem, de quem depende fundamentalmente isso? A resposta mais evidente é: de mim mesmo, do meu esforço, do meu empenho, da minha organização pessoal, da minha fidelidade aos estudos. É certo que grande parte do sucesso acadêmico e profissional de alguém depende dele mesmo.
Consideremos também que o surgir de dificuldades com atenção, leitura e compreensão pode estar relacionado à existência em mim de algum tipo de distúrbio ou enfermidade. Se para poder me concentrar nas atividades acadêmicas, o uso de certo medicamento me for uma necessidade, segue-se que a possibilidade de eu estudar e tirar boa nota depende em boa medida da natureza, da matéria prima com a qual o medicamento é fabricado, assim como da capacidade natural do meu organismo reagir positivamente ao tratamento.
Não por último, para se falar de esperança, precisamos sublinhar a importância dos outros. Sou-alguém-com-outros-no-mundo. Esses outros fazem parte da minha esperança. Com efeito, o docente tem um papel importante no aprendizado do discente, assim como o fármaco/médico na prescrição do medicamento adequado. Os colegas de aula são igualmente importantes, pois a colaboração, a partilha de conhecimentos, o companheirismo, são auxílios imprescindíveis na caminhada acadêmica, na formação humana. Na verdade, há numerosas pessoas envolvidas no sucesso de nossos estudos. Basta ver que um livro não chega em nossas mãos sem que alguém o tenha escrito, outro editado, outro transportado, outro catalogado, outro guardado na biblioteca ou livraria, outro vendido ou realizado o empréstimo etc.
Para iniciarmos esperançosos este novo ano letivo, precisamos nos concentrar primeiramente em nós mesmos, na dimensão subjetiva: em nossa saúde mental e espiritual, física e corporal. Em seguida, é imperioso que nos atenhamos na promoção e cultivo das (nossas) relações para com os outros, a dimensão intersubjetiva, afinal, sozinhos, não iremos muito longe. Por fim, mas igualmente importante, é necessário prestarmos mais atenção à natureza, ao meio ambiente, ao compromisso de cuidado para com o planeta, seus biomas, sua biodiversidade. Bem sabemos que por ora não há esperança de vivermos em algum outro planeta do universo.
Esperança e futuro se pertencem. A esperança no futuro é, ao mesmo tempo, o futuro da esperança, ou seja, o objeto da esperança não é somente um bem que poderá vir no futuro, mas é especialmente o futuro que poderá vir como um bem. Para que o futuro possa ser esperado como um bem, e não temido como uma ameaça, o cultivo daquela atitude proativa que habita a esperança e se expressa na linguagem da promessa haverá de tornar-se uma prioridade na nossa vida, e, por conseguinte, também da nossa vida acadêmica.
Bom ano letivo a todos!
Luiz Sureki, SJ é professor, pesquisador e diretor do departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia