Geraldo Luiz De Mori, SJ
“Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21)
Geraldo Luiz De Mori, SJ
No dia 14 de março, o Cardeal Grech, Secretário Geral do Sínodo, tornou público o conteúdo de uma carta que o Papa Francisco lhe tinha enviado no dia 22 de fevereiro, indicando as questões que emergiram do Relatório de Síntese da 1ª Sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos e que serão aprofundadas em vários Grupos de Estudo, a serem criados para este fim, envolvendo diferentes Dicastérios da Cúria Romana, como também teólogos, teólogas, canonistas dos distintos continentes.
Embora o atual processo sinodal tenha envolvido muita gente – através da etapa da escuta, com desdobramentos em muitas dioceses por meio da retomada e das sínteses feitas em âmbito local e nacional, com a etapa continental e a 1ª Sessão – as pessoas parecem menos interessadas, pois é como se o sínodo acontecesse só em Roma e há que aguardar o que deverá vir de lá. O Relatório de Síntese deu uma ideia da experiência vivida pelos que participaram na 1ª Sessão, mas os 20 temas nem sempre são compreensíveis por boa parte dos fiéis, apesar dos esforços feitos em distintos níveis para divulgá-los e incentivar o mundo católico a ler e aprofundar o conteúdo de cada um.
É curioso que muitos ainda pensam o sínodo como um evento, que acontece em Roma, a partir do qual o Papa escreve um texto, dando orientações para o conjunto da Igreja, que nem sempre são assumidas pelo corpo eclesial. Essa sensação não está presente apenas no meio do fiel comum e de boa parte das lideranças leigas, mas também entre ministros ordenados e até entre membros do episcopado. É como se os católicos ainda não tivessem se dado conta ou, pior ainda, não aceitassem ou resistissem à ideia de que o presente sínodo é o colocar em marcha de um processo que transforma tudo na Igreja, como o Papa já havia anunciado na Exortação apostólica Evangelii gaudium. Trata-se de sair da perspectiva da igreja da manutenção e entrar em uma perspectiva fundamentalmente missionária, que faça o conjunto do corpo eclesial sentir de novo a alegria de ter recebido o evangelho e de comunicá-lo com nova energia, dinamismo, rompendo esquemas fossilizados e tornando a boa nova fermento do reino.
Após a divulgação do Relatório de Síntese, a Secretaria Geral do Sínodo já havia comunicado os novos passos a serem dados até a 2ª Sessão Sinodal. Ele deveria envolver de novo as igrejas locais, não com uma escuta ampla, como na primeira etapa, mas a partir das comissões diocesanas que a animaram, respondendo à pergunta: Como ser uma Igreja sinodal em missão? Infelizmente, essa dinâmica não parece ter motivado muito as comissões, pelo menos pouco se ouviu falar delas ou do trabalho que fizeram. Por outro lado, em algumas partilhas da experiência da 1ª Sessão foram pontuados alguns limites do caminho vivido, em parte, por conta do método utilizado, o do “diálogo no Espírito”. Muitos o sentiram como uma experiência forte de escuta da diversidade de modos de viver a Igreja, mas observavam que não fazia avançar as discussões sobre certas temáticas importantes, que, para além da escuta, necessitavam ser aprofundadas e discernidas. Além do mais, o próprio Relatório de Síntese estava cheio de indicações de temas que precisariam de aprofundamento de tipo teológico, canônico ou pastoral.
O que os comunicados e as orientações de 14 de março parecem sinalizar? Que o caminho da sinodalidade, como já havia afirmado o Papa Francisco em 2015, é de fato o caminho que Deus quer que a Igreja percorra no século XXI. E esse caminho não se reduz a um sínodo ou às discussões sobre alguns elementos que caracterizariam a sinodalidade. Nesse sentido, há duas dinâmicas interessantes que deverão ser implementadas. A primeira diz respeito ao processo de elaboração do Instrumentum laboris, texto que deverá ser discutido na Sessão de outubro. Essa dinâmica deve implicar primeiro as igrejas locais, instadas a se perguntarem sobre a sinodalidade vivida nessa instância fundadora da sinodalidade. Várias questões são propostas, envolvendo as relações entre bispos, presbíteros e o conjunto dos fiéis, na tomada de decisões, na transparência sobre as tarefas assumidas pelos diversos ministérios, no estilo e modo de funcionamento dos órgãos de participação, na valorização dos diversos ministérios. A segunda instância, diz respeito à colegialidade e implica o “agrupamento de Igrejas”, com questões importantes sobre o intercâmbio de dons, o estatuto das Conferências Episcopais em uma igreja sinodal missionária, a ampliação de novas estruturas de comunhão que ultrapassem o âmbito de cada Conferência de Bispos. Uma terceira instância é a relação entre colegialidade e Igreja universal, envolvendo as possíveis contribuições das igrejas ortodoxas, das Igrejas da Reforma e o papel da Cúria Romana.
Além dessa dinâmica articulando igreja local, agrupamento de igrejas e igreja universal, a outra dinâmica propõe a retomada de algumas questões que necessitavam de aprofundamento, segundo o Relatório de Síntese. O Papa as resumiu em 10 domínios: 1. Alguns aspetos das relações entre as Igrejas Católicas Orientais e a Igreja Latina; 2. A escuta do clamor dos pobres; 3. A missão no ambiente digital; 4. A revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis numa perspectiva missionária sinodal; 5. Algumas questões teológicas e canônicas em torno de formas ministeriais específicas; 6. A revisão, numa perspectiva sinodal e missionária, dos documentos que regulam as relações entre Bispos, Vida consagrada e Agregações eclesiais; 7. Alguns aspetos da figura e do ministério do Bispo (em particular: critérios de seleção dos candidatos ao Episcopado, função judicial do Bispo, natureza e condução das visitas ad limina Apostolorum) numa perspectiva missionária sinodal; 8. O papel dos Representantes Pontifícios numa perspectiva sinodal missionária; 9. Critérios teológicos e metodologias sinodais para um discernimento partilhado de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas; 10. A recepção dos frutos do caminho ecumênico nas práticas eclesiais.
Na descrição de cada uma dessas tarefas, a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos indica que instâncias deverão ser envolvidas: os vários Dicastérios da Cúria Romana, teólogos, teólogas, canonistas e pastoralistas. Para alguns desses temas, mais de um Dicastério será implicado. Trata-se, e isso chama a atenção, de levar a Cúria Romana e as pessoas que comporão os diferentes grupos a trabalharem sinodalmente. O caminho do “diálogo no Espírito” deverá ser privilegiado, mas oferecendo também pistas de aprofundamento, indicações de como encaminhar soluções ou propostas para que todo o corpo eclesial seja realmente voltado para uma vivência de sua vocação: a do anúncio, ou seja, a da missão em perspectiva sinodal. Num texto de um discurso do Papa Francisco à Comissão Teológica Internacional de 30/11/2023, esse percurso parece delineado de forma lapidar: “A sinodalidade é o caminho, a forma de traduzir em atitudes de comunhão e processos de participação a dinâmica trinitária com que Deus, através de Cristo e no sopro do Espírito Santo, vem ao encontro da humanidade. Aos teólogos é confiada a grande responsabilidade de libertar a riqueza desta maravilhosa “energia humanizadora”[1]. Certamente os que comporão os Grupos de Trabalho que discutirão os temas indicados pelo Papa terão uma ocasião única de mostrar como também a teologia é chamada a ser um exercício que demanda e viva a sinodalidade.
[1] Papa Francisco. Discurso aos membros da Comissão Teológica Internacional, 30/11/2023.
Geraldo Luiz De Mori, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE