Bruno Pettersen
Eu uso o Instagram. Entre as redes sociais mais conhecidas, essa é a única na qual possuo uma conta ativa. Entretanto, nem eu nem você realmente utilizamos uma “rede social”. Essas plataformas deixaram de ser sociais há algum tempo; tornaram-se veículos de poder.
Jornais norte-americanos, como o New York Times e o Washington Post, têm publicado nos últimos anos reportagens investigativas sobre como as redes sociais e os canais de mídia na internet têm direcionado cada vez mais os seus usuários a conteúdos extremistas. Ao acessar o Instagram, o TikTok, o Facebook e o Youtube, apenas para citar algumas dessas plataformas, os usuários são conduzidos a conteúdos cada vez mais radicais. Por exemplo, pessoas com determinada posição política recebem indicações não apenas que reforçam suas próprias visões, mas que também demonizam o adversário político, transformando-o em um inimigo. Dessa forma, se você discorda de algo, os conteúdos que você receberá indicarão a necessidade de destruir o seu oponente. Já conhecemos o motivo disso: discursos extremistas mantêm os usuários na plataforma. Assim, através do escândalo, do choque e da indignação, continuamos a consumir esses conteúdos. Poucas coisas engajam tanto o ser humano quanto a sua própria tragédia pessoal ou coletiva.
No entanto, tudo isso já é conhecido há algum tempo. Nossos padrões de uso da internet são claramente controlados pelos hoje famosos “algoritmos” – isto é, processos computacionais que, seguindo regras pré-estabelecidas pelas empresas, determinam a recomendação de conteúdos. Inclusive, nesta data em que escrevo, em meados de Abril de 2024, o governo norte-americano está em uma campanha contra o TikTok, uma empresa de origem chinesa, acusando-a de impulsionar conteúdos extremistas em sua plataforma e de “roubar os dados” dos cidadãos norte-americanos. Bem, pelo que já sabemos, é verdade que o TikTok realmente impulsiona conteúdos radicais, e há pouca dúvida de que, entre um meme e outro, uma dancinha popular ou mesmo um conteúdo educacional sério, o TikTok deseja que o usuário continue a utilizar a rede, portanto é importante inserir, aqui e ali, alguma posição que inicialmente seja um pouco “controversa” e aos poucos se torne “revoltante”. Entretanto, o que o TikTok está fazendo com esses conteúdos não é diferente do que o Youtube ou o Instagram fazem, empresas norte-americanas. Todas essas empresas aprimoram seus métodos para manter os usuários em suas redes. Apesar dos algoritmos diferentes, todas essas empresas buscam exatamente a mesma coisa: nossa atenção, e para isso, promovem cada vez mais aquilo que não apenas nos faz rir, mas também aquilo que nos faz odiar.
Os produtores desses conteúdos extremos, controversos e de todos os adjetivos que mais causam indignação, também são orientados por esse processo. Os vídeos, as fotos e as postagens mais compartilhadas são justamente aqueles com essas características. Todos esses conteúdos são produzidos por indivíduos ou pequenos grupos e são publicados supostamente por sua própria vontade. Contudo, isso gera a ilusão de uma “rede social”, ou seja, uma rede entre pessoas que desejam compartilhar e trocar conteúdo entre si. No entanto, esse é um engano. Não importa quem esteja utilizando essas redes e publicando seu conteúdo; isso não acontece porque as pessoas são direcionadas por livre vontade e desejo de contato. Na verdade, nossos desejos sociais são regulados pelos algoritmos, que ordenam e disponibilizam os conteúdos produzidos. As pessoas que produzem conteúdo percebem aos poucos quais conteúdos geram mais sucesso na plataforma e gradualmente são guiadas pela produção de conteúdo que supostamente agrada ao seu público. Mas esse “desejo” do público e a “produção de conteúdo” são, em última análise, completamente regulados pelas redes sociais. Portanto, o que publicamos e o que faz mais sucesso não é algo que os indivíduos consideram livremente interessante e importante, mas sim aquilo que interessa mais às redes. Não há nada de social nisso, mas há muito de poder.
Nossas relações sociais e nossos conteúdos são mediados pelo poder de direcionamento dessas plataformas. Tudo o que elas fazem é apenas manter você engajado, seja produzindo ou consumindo conteúdo, promovendo conteúdos que nos desumanizam como agentes livres e minam os processos políticos. Utilizar o Instagram, o TikTok e outras redes pode ser divertido e odioso, mas, especialmente, é estar sob o domínio de conglomerados econômicos que, em busca do lucro, destroem a liberdade e a reflexão humana.
No fundo, as redes sociais são um dos pontos mais cruéis que o capitalismo tardio nos presenteou. Em nome do entretenimento e da relação com nossos amigos e familiares, deixamos todos os nossos interesses, nossas relações, nossas visões políticas e sociais, serem controlados por empresas. Aos poucos, nossas posições políticas se tornam cada vez mais extremas, nossos gostos se tornam mais alienados e nossas relações humanas serão mediadas por algoritmos. Nos aspectos da nossa vida subjetiva que nos eram mais importantes, não há mais real decisão, apenas consumo. Na vida social, não há lugar para um caminho que não gere engajamento nas redes.
Entretanto, tudo isso é um peso muito grande. Após ler este texto, talvez você queira dar uma olhada em sua rede social preferida e ver um pouco de conteúdo divertido, de sua escolha.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE
Foto: Netflix / Divulgação