Bruno Pettersen
Uma pesquisa do final de 2023 da Faculdade de Medicina da UFMG apresentou resultados preocupantes diante do uso das telas. Nesse estudo, constatou-se que 72% das crianças pesquisadas apresentaram um aumento nos índices de depressão associado ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos. No que diz respeito aos idosos, identificou-se a presença da “nomofobia,” caracterizada pelo medo de ficar afastado do celular. Além disso, outro resultado que chamou a atenção foi a possibilidade de uma diminuição precoce do QI ao longo prazo: “Isso ocorre pela falta de incentivo a atividades que necessitam de pensamento rápido e outras habilidades que contribuem para o funcionamento ativo do cérebro[1].”
Os efeitos nocivos do uso excessivo de telas não é algo surpreendente. Todos nós que continuamente usamos celulares, tablets e tantas outras telas, sabemos dos efeitos adversos em nossas próprias vidas: dificuldades para dormir, baixa concentração, problemas de visão e outros.
Para além desses efeitos, quero pensar outro problema: o efeito das telas no processo de educação de jovens adultos e adultos, que é onde tenho experiência profissional. Falo aqui da perspectiva de professor e não de pesquisador no assunto. Nesse caso são minhas impressões do uso de telas no ambiente da sala de aula e os efeitos que tenho percebido.
Comecei a dar aulas em 2002 e, naquele momento, embora a internet já existisse, ela era restrita aos computadores que eram fixos a uma mesa e raramente existia alguma interação da sala de aula com o computador. Em meados de 2015, isso começou a se alterar pela quase onipresença de celulares. No entanto, na pós-pandemia esse fenômeno encontrou o seu pico: raramente professores ou alunos ficam a menos de 30 centímetros do celular ou de seu aparelho de preferência. Depois dessa prevalência do uso, surgiu uma questão multifacetada diante do uso das telas, com aspectos positivos e negativos.
Do lado positivo, o computador pode ser utilizado para fazer anotações detalhadas, para a pesquisa bibliográfica e para tirar dúvidas pontuais. Por exemplo, se um professor menciona uma passagem de um livro que interessa ao aluno, ele pode rapidamente obter todas as informações sobre o livro e depois, se for o caso, se dedicar a estudá-lo. Eu posso apenas imaginar o que seria da minha vida na graduação e na minha pesquisa de pós-graduação, se eu tivesse acesso a bases de pesquisas on-line e não tivesse que esperar dois meses para obter uma fotocópia de um livro que eu precisava, e que não possuía cópias no Brasil.
No entanto, por mais ricas que sejam as possibilidades de uso, os efeitos adversos têm sido cada vez mais claros para mim. Deixe-me começar pelo mais grave: a atenção dividida. Um aluno que anota tudo com caneta e papel eventualmente se distraí em seus próprios pensamentos. Eu mesmo, às vezes, me pego rabiscando uma casa e árvores ou triângulos nos cantos das minhas folhas. Mas eventualmente eu volto ao meus interesses. Um aluno com celular ou computador, sai da aula com uma velocidade inacreditável e raramente consegue se desconectar das possibilidades diante dele. Uma disciplina complexa e que exige raciocínio longo e profundo se torna um desafio impossível, uma vez que os interesses da pessoa estão diante dela a distância de um ou dois cliques. Problemas que exigem um árduo esforço intelectual não serão realizados facilmente com um computador ou celular disponível.
Outro problema grave é a crença de que qualquer assunto pode ser compreendido brevemente, ainda que em linhas gerais. Vídeos curtos de 30 segundos até um minuto têm gerado a sensação de que a ideia por detrás daquele vídeo pode ser compreendida. O problema não é a existência desses drops de conhecimento, afinal, uma consulta a uma enciclopédia ou dicionário quase sempre também é breve, mas é o fato de que assistir a 10 vídeos rápidos sobre um problema não farão o aluno compreendê-lo. Do ponto de vista da formação acadêmica, o processo de conhecimento precisa ser aprofundado, refletido e demorado. Um vídeo curto pode ser uma ótima maneira de se começar a aprender, mas uma péssima maneira de se estudar.
Desses problemas, um dos que mais me preocupa se refere a como o uso de telas e a maneira pela qual as redes sociais e os conteúdos gerados nela estão nos treinando a querer tudo muito brevemente. Aulas de uma hora e quarenta minutos são cada vezes mais difíceis para reter a atenção dos alunos com telas disponíveis. Eu posso apenas imaginar, pois não tenho dados para confirmar essa hipótese, o efeito ainda mais severo das telas para pessoas neuro divergentes, como por exemplo, para pessoas com transtorno de déficit de atenção.
A partir desse contexto, tenho uma tese: no momento da aula e do estudo pessoal, não deveríamos ter telas disponíveis. No caso de apenas fazermos anotações, e apenas elas, poderíamos ter uma tela, mas tudo além disso deveria ser impedido nas salas de aula. A medida pode ser radical, mas não há como se aprofundar em algo que à primeira vista pode ser difícil e talvez desinteressante com a tela presente. Você pode e deve ter computadores e celulares para auxiliar na pesquisa e na reunião de dados. Caso for imprescindível o uso de um computador, como para escrever um artigo, a internet deve ser retirada e todas as notificações anuladas durante o período de concentração.
Estou dando aulas na FAJE, juntos dos Jesuítas, desde 2011. Uma das frases mais importantes da minha vida eu ouvi com eles: “Não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear internamente as coisas.” Essa frase de Santo Inácio de Loyola representa muito do que eu creio e é nesse caminho que penso ser fundamental não termos telas na sala de aula, dando o tempo necessário para saborearmos algo que inicialmente pode ser estranho, mas que aos poucos pode se tornar o nosso lugar preferido.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE
[1] In: https://ufmg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/release/pesquisa-da-ufmg-uso-excessivo-de-telas-piora-saude-mental-de-diferentes-geracoes (Consultado em 12/05/2024)
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