Bruno Pettersen
Sou um aficionado por debates políticos. Desde muito novo, gosto de ver todos os debates que posso, sendo que, neles, há alguns aspectos que me chamam a atenção. O primeiro é a própria natureza da democracia: percebo como essencial a presença da diversidade política e a possibilidade de expressões múltiplas para solucionar aspectos da sociedade. O segundo motivo é que me interesso pela argumentação, em especial aquela feita em tempo real, revelando a capacidade do indivíduo de articular respostas a questionamentos feitos no momento, que, embora previamente treinadas, ele ainda tem que realizar no ato. Mas há um terceiro aspecto, que deveria ser lateral, que é o entretenimento de assistir a um debate, como perceber candidatos com personalidade e vestimentas duvidosas, como o infame “Padre” Kelmon ou o Cabo Daciolo. Dos três aspectos, parece-me que apenas esse terceiro, o entretenimento, continua ativo.
Minha cidade, Contagem, não teve debates para a prefeitura neste ano; assim, tento acompanhar todos os debates que posso. Assisti ao morno debate de Belo Horizonte, com candidatos sem clareza sobre a cidade. Vi o debate dos EUA entre Kamala e Trump e, claro, vi o debate de São Paulo, que se tornou um evento nacional devido ao aspecto grotesco que tomou. No debate da rede Cultura, como todos viram, Pablo Marçal (nome que nunca imaginei que escreveria) recebeu uma cadeirada do candidato Luís Datena, depois deste último ser insultado inúmeras vezes. Devo dizer que o aspecto de entretenimento do debate tomou a frente: há algo de assustador e bizarro no fato de uma pessoa receber uma cadeirada em um debate para um cargo executivo, especialmente para a maior cidade do Brasil.
Podemos dizer, sem risco de generalização, que a política sempre teve elementos curiosos, especialmente os que envolvem o bizarro e o choque. Da perspectiva brasileira, alguns casos são muito famosos, como os embates entre Brizola e Maluf ou, mais recentemente, entre Lula e Bolsonaro. Até mesmo me lembro, com tristeza, de um debate com forte aspecto de agressividade masculina, entre Aécio e Dilma. Mas, realmente, nunca pensei que uma agressão física pudesse ocorrer em rede nacional em um debate. Um aspecto importante da violência na política é que, quando ela ocorre, é porque, em certo sentido, a violência já estava presente. Sua manifestação é um ponto sem volta: aceitar a possibilidade de violência é pensar no fim da própria política.
Mas, diferentemente dos debates passados, o momento em que vivemos, dominado pelas redes sociais, faz com que tudo o que é feito em um debate ganhe proporções diferentes, especialmente voltadas para o entretenimento. Um aspecto que vi presente em todos os debates que acompanhei é a constante referência dos políticos às suas redes sociais. A argumentação ficou em segundo plano, e todos os debatedores fazem sempre referência ao fato de que, em suas redes, o que estão dizendo estará mais bem explicado, e que as evidências do que dizem estão lá. Os candidatos parecem, em primeiro plano, estar oferecendo maiores informações, mas, em segundo plano, eles parecem vazios de conteúdo e de capacidade de argumentação.
Esse ponto é não apenas uma falha discursiva, mas um fato preocupante, uma vez que, na rede do político, não há espaço para o contraditório ou para o contra-argumento; lá, apenas ele e sua enorme equipe têm total controle da mensagem. Aqui, perde-se a multiplicidade própria da democracia, e passa-se a buscar apenas a sua visão particular do mundo, uma que poderá sempre ser confirmada a partir de uma fala estruturada que impeça qualquer contra-argumento. A famosa frase “O meio é a mensagem”, de Marshall McLuhan, que já citei em outra oportunidade nesta coluna, é cada vez mais uma realidade, pois, na rede social, no meio digital, houve uma reestruturação da argumentação, pervertendo completamente o discurso democrático ao retirar o argumento do debate.
Nesse contexto das redes, apenas o entretenimento importa. O debate deixa de existir em si mesmo e passa a produzir os “cortes” para as redes sociais, sendo esses “cortes” trechos escolhidos de falas, retirados de contexto, que oferecem apenas uma versão do mundo e que sempre são feitos por equipes de marketing para gerar engajamento dos consumidores desse conteúdo. A fala de cada adversário, os gestos, a postura — tudo se torna parte de uma cena de uma peça, mas uma que será editada, alterada em suas cores e tons, para transformá-la em algo que recusa o debate e serve apenas ao puro entretenimento.
Como disse no início, debates servem a três aspectos: à democracia, à capacidade argumentativa e ao entretenimento. Desses três aspectos, só o último parece ter sobrevivido. Não sei se a democracia poderá resistir ao mais puro e inconsequente apreço pela diversão.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE