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Rumo à 2ª Sessão da XVI Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos

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Geraldo Luiz De Mori, SJ

Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21)

 

Entre os dias 2 e 27 de outubro de 2024 acontecerá, em Roma, a 2ª Sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, que será precedida por um retiro, entre os dias 30 de setembro e 1 de outubro, concluindo com uma vigília ecumênica na noite do dia 1/10. Com esta 2ª Sessão do Sínodo, conclui-se a fase de discernimento e de tomada de decisões, prevista para cada sínodo, antecedia antes pela etapa da escuta, e sucedida pela etapa de aplicação. O presente sínodo, convocado ao redor do tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”, é, provavelmente, o acontecimento eclesial que mais mobilizou a Igreja depois do Concílio Vaticano II, despertando grande interesse e suscitando muitas expectativas. Aproximando-se de sua etapa final, muitos já propõem balanços ou prognósticos. Mais que aventurar-se nessas duas perspectivas, pois o presente processo sinodal não se esgota nas etapas já realizadas e na que se acontecerá em outubro, o texto aqui proposto quer ser uma leitura da “dinâmica” ou da “lógica” que perpassa o caminho iniciado em 2021, quando teve início o percurso da XVI Assembleia do Sínodo.

O atual processo sinodal precisa ser situado no contexto mais amplo a partir do qual a Igreja se autocompreende. Durante séculos, o modelo de cristandade, que tendia a confundir Igreja e sociedade, determinou o modo como a instituição eclesial percebia seu lugar e seu papel no mundo. As mudanças drásticas estabelecidas a partir da época moderna, sobretudo depois da Revolução Francesa, levaram a uma progressiva oposição entre Igreja e mundo, dando origem, no Concílio Vaticano I, ao modelo de Igreja como “sociedade perfeita”, com a autoridade “infalível” do Sumo Pontífice. Esse modelo, que tendia a identificar a Igreja com os clérigos, foi profundamente questionado e reformulado no Concílio Vaticano II, que resgatou a teologia da Igreja como sacramento de Cristo, servidora do Reino, povo de Deus, corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo. Uma teologia da “igreja local”, que supunha uma compreensão da catolicidade como comunhão, deu origem a uma teologia da “colegialidade”, valorizando o papel dos bispos e sua comunhão entre eles e com o Papa na condução dos destinos da Igreja. Um novo entendimento do conjunto dos fiéis também ganhou importância, valorizando sua vocação no seio do corpo eclesial, mas também no mundo, no qual testemunham sua fé.

Por que é importante, no atual processo sinodal, recordar alguns traços da eclesiologia do Concílio Vaticano II? Porque, como disse João Paulo II, na Novo millenio ineunte, ele é a “´bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa” (NMI 57). Com efeito, como têm observado alguns intérpretes, o pontificado de Francisco tem inaugurado uma nova etapa da recepção do Concílio Vaticano II, revalorizando a vocação batismal de todos os fiéis, que faz com que todos sejam sacerdotes, profetas e reis, tendo, portanto, papel fundamental na vivência, no anúncio e no testemunho da fé.

Essa participação ampla dos fiéis em uma instituição que parecia própria dos bispos, como é o caso do sínodo, já tinha alguns antecedentes na história que marcou as diversas assembleias sinodais realizadas desde que Paulo VI instituiu depois do Concílio a prática de realização de assembleias sinodais. De fato, as assembleias ordinárias, extraordinárias e especiais contaram sempre com “observadores” que não eram bispos. Desde que foi eleito papa, Francisco convocou vários sínodos: o da família, o da juventude, o sínodo especial para a Amazônia. Em todos ele inovou o processo de preparação, enviando um questionário aos episcopados, que deveria implicar pessoas e situações que eram objeto de discussão e discernimento no sínodo. Com o atual processo, porém, ele fez algo inusitado, pedir que houvesse uma ampla escuta, em todas as dioceses do mundo, o que, sob muitos pontos de vista, implicou muitas pessoas em todo o mundo. Além disso, não só convocou bispos para um sínodo de bispos, mas também leigos e leigas, religiosos e religiosas, padres e diáconos, e com direito a voz e voto, o que é novo.

Muitas questões levantadas pelo processo de escuta, que repercutiram de modo bastante forte na 1ª Sessão do Sínodo em 2023, geraram, em vários grupos eclesiais, certas expectativas ou preocupações. É o caso, dentre outras, do lugar e papel da mulheres numa Igreja sinodal, com questões importantes, como a de seu acesso aos ministérios ordenados; da formação dos presbíteros e do conjunto do povo de Deus na perspectiva da sinodalidade; da escuta do clamor dos pobres; da missão no ambiente digital; das relações da Igreja católica com as igrejas orientais; do caminho ecumênico nas práticas eclesiais; da relação entre bispos, vida religiosa e movimentos e agregações laicais; da escolha dos bispos; do discernimento diante de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas. A retirada dessas questões do debate da 2ª Sessão, com a carta do Papa ao Cardeal Grech, indicando, em março de 2023, a criação de 10 grupos de trabalho encarregados de aprofundá-las e oferecer um primeiro relatório aos participantes do sínodo, frustrou os que acompanhavam com certa esperança as dinâmicas que emergiam do caminho sinodal.

Se não vai discutir as questões que emergiram do processo de escuta, o que então será discutido na 2ª Sessão do Sínodo? O Instrumentum laboris, texto que guiará as discussões e o discernimento a ser realizado no decorrer desta última etapa do Sínodo, possui a seguinte organização: Fundamentos, Parte I. Relações; Parte II. Percursos; Parte III. Lugares. Nos “Fundamentos” serão abordados temas que ajudam a compreender o que é a sinodalidade: a eclesiologia da Igreja como povo de Deus e sacramento da unidade; o significado partilhado de sinodalidade; a unidade como harmonia nas diferenças; as relações entre homens e mulheres numa Igreja sinodal; o chamado à conversão e à reforma. Percebe-se que esta parte quer resgatar o percurso feito ao longo dos três anos do caminho sinodal, mostrando o que é consenso comum sobre sinodalidade.

Na Parte I. “Relações”, aborda-se o que constitui a sinodalidade na vida concreta da Igreja. Partindo da “iniciação cristã”, o texto recorda que todos os que são membros do “Corpo de Cristo”, possuem dons e carismas a serem colocados ao serviço de todos, através dos diferentes ministérios. Em seguida, mostra o papel do ministério ordenado numa Igreja toda ministerial, o do “serviço da harmonia”, apontando, em seguida, para a relação que deve existir entre as Igrejas. Na Parte II. “Percursos”, se aborda o tema da formação numa Igreja sinodal, insistindo muito em que seja integral e partilhada. Em seguida mostra o lugar do discernimento na vida da Igreja, a partir do qual são tomadas as decisões, que, por isso mesmas, não podem ser reservadas unicamente a quem exerce o papel da autoridade na Igreja, seja do ministro ordenado, seja da liderança de uma comunidade ou pastoral. O texto insiste muito também na questão da transparência, sobretudo nos processos pastorais, mas também com relação às questões econômicas ou às questões dos abusos. Na Parte III. “Lugares”, se recorda que a Igreja se encarna em um território, mas que ela é comunhão entre igrejas, devendo cultivar os laços que promovem esta união. O texto lembra ainda o papel do Bispo de Roma ao serviço da unidade eclesial.

O que aparentemente pode parecer “pouco” do “muito” de expectativas que gerou o processo sinodal, é, na verdade, a condição de possibilidade para que a sinodalidade. de fato, se torne “estilo” e “modo de proceder” da Igreja. Somente se há comunhão no fundamental, que é o que apontam os temas que serão abordados na 2ª Sessão, é que será possível fazer avançar o que ainda precisa ser mais aprofundado e discernido, e que, seguramente, em outros momentos, serão retomados no processo que se seguirá à Sessão.

Geraldo Luiz De Mori, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Foto: Vatican News

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