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O coração de Abya Yala fala

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Rosa Ademir Arevalo Arevalo

Ao som da maracá, começamos dançando. Todos procuravam levar o mesmo ritmo para se conectar com os espíritos dos nossos ancestrais. Cada uma das pessoas presentes foi se juntando à roda, tentando levar seu ser todo em harmonia profunda. Movimento de pés e mãos, cantando com todas as energias até chegar ao momento da calma. Todos os presentes são testemunhas da luta histórica do povo que representam. São guerreiros que, apesar da perseguição colonial, seguem resistindo ao despojo sistemático ao qual foram submetidos por séculos.

“Nós somos povo da floresta. Índio é um apelido que nos deram os invasores, mas a gente aceita e assume porque precisamos reivindicar nossa existência como povo”. Com essas palavras, definia-se uma mulher pataxó enquanto relatava a sua experiência no Congresso Federal do Brasil. Naquela oportunidade, os povos viajaram para a capital do país para protestar contra o chamado Marco Temporal, que busca restringir o direito ao território dos povos originários no país. Um ano depois, o sentimento de impotência era evidente em cada uma das pessoas durante o momento de partilha que teve lugar num prédio localizado no centro de Belo Horizonte. Lideranças de diferentes povos expressavam suas experiências nas lutas históricas pelos direitos indígenas, mas Abya Yala ainda precisa de reivindicação.

Kaxixó, Xucurú Kariri, Pataxó, Borum-kren, Kamaká, Xacriabá e Tikuna, as lideranças de todos esses povos concordam numa coisa: seu território é fundamental para a sobrevivência das comunidades. Contudo, o Estado não reconhece a autonomia dos territórios, nem é fácil justificar o pertencimento ancestral das comunidades e sua ligação com os antepassados indígenas que foram expulsos. Por isso, é fundamental a recuperação da memória, a partir das pessoas mais velhas, pois elas guardam os relatos da comunidade. “A cerca foi o maior ladrão do povo indígena, porque foi o instrumento que os fazendeiros usaram para roubar as nossas terras”.  Ouvindo essa intensa declaração, senti calafrios em todo o meu corpo, de indignação e impotência. Não é a primeira vez que discutimos sobre essa realidade. Desafortunadamente, muitos povos ao longo de toda Abya Yala têm uma história similar.

No ano de 2014, Berta Cáceres, liderança do povo Lenka, foi assassinada por se opor à construção de uma represa hidrelétrica no rio Walkarke, em Honduras. Em 2023, dois manifestantes Ngäbe foram privados da vida por se expressarem contra o projeto hidrelétrico de Cerro Blanco, no Panamá. Em 2018, Bernardo Caal, liderança do povo Q’eqchi foi condenado a sete anos de prisão por denunciar as ilegalidades ambientais cometidas por empresas estrangeiras, afetando gravemente o rio Cahabon, na Guatemala. Os casos anteriores são apenas exemplos das lutas que nossos povos irmãos de Abya Yala estão enfrentando hoje, nos diferentes territórios.

Existe também outra luta, no nível da interculturalidade. Na grande BH, existem mais de vinte mil indígenas de diferentes povos, mas a maioria deles parecem invisíveis, pois sua identidade é apagada pelos preconceitos que existem na sociedade mineira. Prevalece a ideologia de negação da pureza indígena, “pois não existe pureza”, mas, sim, existem povos despojados de tudo, e a negação de sua identidade é também outro despojo, mais uma manifestação da colonialidade. Abya Yala fala e nossa presença é testemunha de que a luta dará seus frutos.

 

O texto foi escrito por Rosa Ademir Arevalo Arevalo, estudante de Teologia, como atividade do projeto de extensão Interculturalidade e amizade social desenvolvido  juntamente com os estudantes Antonito Maria Dos Santos Martins e Juan Carlos Zavala Jonguitud (Teologia) e Precious Kambewa (Filosofia).

 

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