Élio Gasda, SJ
No dia 26 de junho de 1945, representantes de 50 países reuniram-se em São Francisco (EUA) para assinar a Carta das Nações Unidas. Documento que fundava a ONU – Organização das Nações Unidas. Oficialmente a Organização só entrou em vigor no dia 24 de outubro. A ONU é a segunda tentativa de estabelecer as bases para relações pacíficas entre os países. A primeira foi a Liga das Nações. Fundada em 1920, após a Primeira Guerra Mundial, durou apenas 18 anos. Não evitou a Segunda Guerra Mundial.
Os Estados comprometeram-se a resolver disputas por meios pacíficos, a promover o desenvolvimento econômico e social e a respeitar os direitos e liberdades fundamentais sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. A Carta reafirmou o compromisso com a paz, os direitos humanos e a cooperação internacional. Seus princípios orientadores constituem a base do multilateralismo.
A 80ª Assembleia Geral da ONU (23 a 29/09/25) reuniu delegações dos 193 Estados-Membros. No discurso de abertura, António Guterres, Secretário-Geral, lamentou que os princípios das Nações Unidas estejam sitiados, os pilares da paz e do progresso oscilando sob peso da impunidade, da desigualdade e da indiferença; nações soberanas invadidas, a fome transformada em arma, a verdade silenciada, cidades consumidas, pós bombardeios. O ódio aumentando! O nível do mar continua subindo. Afinal que tipo de mundo queremos? Um mundo onde a força bruta prevaleça ou um mundo regido por leis? Qual é problema?
O sistema da ONU, além da Assembleia Geral, engloba seis órgãos principais: Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, Corte Internacional de Justiça e Secretariado das Agências Especializadas e de organizações relacionadas: Unesco (educação, ciência e cultura), FAO (alimentação e agricultura), Unicef (infância e direitos das crianças), OIT (Organização Internacional do Trabalho), OMS (Organização Mundial da Saúde), PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
O Conselho de Segurança é o único órgão com poder de adotar decisões obrigatórias para todos os Estados-membros da ONU. Integram o Conselho quinze 15 países-membros, contudo, cinco possuem cadeiras permanentes e poder de veto: China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos. Outros 10 são eleitos para mandatos de dois anos. Uma resolução só é aprovada se tiver maioria de 9 dos quinze membros. Porém, basta um voto negativo de um membro permanente para que a resolução seja reprovada. O veto é frequentemente usado para proteger os interesses estratégicos dessas potências. Enquanto todos os países têm direito à palavra, apenas cinco detêm poder de decisão. Multilateralismo? No Sudão, uma guerra civil já matou mais de 150 mil pessoas e crianças estão morrendo de fome. A guerra na República Democrática do Congo ceifou 10 milhões de vidas desde 1998. O país, com uma das maiores reservas minerais do mundo, é alvo de interesse de potências como China, Estados Unidos e das Big Tech.
Desde 1972 os Estados Unidos vetaram mais de 45 resoluções do Conselho de Segurança sobre a ocupação israelense da Palestina. Desde o início do genocídio em Gaza, a Assembleia Geral da ONU aprovou cinco resoluções pedindo cessar-fogo. Todas vetadas pelos EUA.
Para que a ONU esteja à altura das circunstâncias, o Conselho de Segurança deve ser democratizado, derrubar o sistema de veto e interromper o comércio de armas para frear as guerras. Caso contrário, a ONU continuará sendo palco de discursos vazios. A ONU é um órgão da comunidade Internacional. Se essa comunidade é fraca, então a ONU é fraca.
Para a Doutrina Social da Igreja (DSI), a comunidade internacional não pode ser um simples momento de agregação da vida dos Estados, mas uma estrutura em que os conflitos possam ser pacificamente resolvidos”… onde o direito internacional “deve evitar que prevaleça a lei do mais forte” (Compêndio DSI, 439). Portanto, torna-se necessária “a superação das rivalidades políticas e a renúncia a toda a pretensão de instrumentalizar as Organizações que têm como única razão de ser o bem comum” (Compêndio DSI, 442).
É urgente transformar palavras em ação. Em Fratelli Tutti, Papa Francisco ressalta que “a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito. A justiça é um requisito imprescindível para se realizar o ideal da fraternidade universal. É preciso garantir o domínio incontestável do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental”. Portanto, conclui Francisco, “é necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto” (FT, 173).
Promover e garantir os direitos humanos e a justiça global, a fraternidade universal e o cuidado da casa comum: para isso serve a comunidade internacional, e, para isso foi criada a ONU. “A ONU é uma bússola moral e uma força para a paz, uma guardiã do direito internacional” (António Guterres).
Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Foto: Vaticano News