Charles Chaplin: um gênio encantador para todos os tempos e públicos

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Patrícia Carvalho Reis

Os 100 anos de “A busca do Ouro”, de Charles Chaplin, merece ser comemorado com velas e bolo. É, de fato, um clássico. Confesso que demorei para assistir com calma aos filmes de Chaplin. Sabia do potencial deste ator, diretor, produtor, músico, entre outras funções, mas via pequenos trechos, gostava e me dava por satisfeita. Também tinha um certo preconceito em relação a filmes sem muito diálogo, preto e branco, antigos… Pensava que seria monótono assistir ao filme todo. Que ilusão!

Comecei pelo “O Garoto”, que achei excelente! Nós podemos entender toda a trama interpretando as expressões faciais de Chaplin e de outros atores, como a pequena criança que nos encanta com seu talento. Com um cenário simples, quase nenhuma conversa, o filme é genial. Talvez isso seja mesmo seu ponto forte: mostrar que uma obra de arte pode ser feita sem muitos recursos. Se o ator, produtor etc é talentoso, basta. E se Chaplin apenas cumprisse a função de ator já seria admirável. Mas ele era quase tudo. Outro ponto que encanta em Chaplin é que seus filmes podem ser admirados por pessoas de diferentes idades, nacionalidades e gostos pessoais. Em suma, a arte de Chaplin sensibiliza e alcança pessoas independentemente das fronteiras onde estão situadas. Não podemos também deixar de mencionar que seus filmes despertam o riso. Nesse mencionado filme, o ato engraçado surge de cenas triviais, como a postura da criança quando briga com a outra, as mudanças de comportamento do pai do garoto…

Já em “A busca do Ouro”, é delicioso ver o protagonista apaixonado e não conseguimos conter nosso sorriso quando ele experimenta a sua bota como se fosse a melhor refeição do mundo ou quando come os cadarços como se estivesse numa famosa cantina italiana. E como não lembrar de “Tempos Modernos?” A cena em que o operário está nas engrenagens é clássica, mas quando assistimos ao filme e deparamos com ela, não deixa de ser uma surpresa mágica. As músicas também fazem toda a diferença. Nesse filme, Chaplin faz uma crítica às mudanças no universo do trabalho e, ao mesmo tempo, nos diverte.

Como também não recordar de “O Grande Ditador”, de 1940, em que Chaplin faz o papel do barbeiro judeu e do ditador Hynkel? Não que isso fosse difícil para o talento dele, mas, talvez, por nos lembrar que, muitas vezes, quem despreza ou oprime pode, também, ocupar o lugar do oprimido. As cenas do ditador chutando uma bola com o mapa mundi são inesquecíveis. Não menos surpreendentes para o espectador são os diálogos do ditador com seus funcionários em que, por motivos banais, os penaliza enviando-os para os campos de concentração. Outras cenas tocantes são as do ditador falando uma língua e gesticulando rapidamente sem ninguém entender nada. Na verdade, não há conversa. Ele fala para ele mesmo. E o discurso final desse filme? O barbeiro judeu, confundido com o ditador, sobe na tribuna e, numa fala teoricamente improvisada, trata dos direitos humanos, da liberdade, de temas tão caros aos que pensam numa política justa.

E o que dizer de Monsieur Verdoux, de 1947? Do gigolô que dá golpes amorosos em várias mulheres simultaneamente e, não bastasse isso, pratica outros atos bem mais cruéis? Um filme que se passa na França e cujo protagonista é um serial killer… Achei peculiar esse filme. Talvez pelo fato de Chaplin fazer o papel de um sujeito com condutas reprováveis socialmente. No “Luzes da Ribalta”, de 1952, Chaplin interpreta um comediante alcoólatra que já fez muito sucesso, mas que, no momento, está numa fase de decadência pessoal e profissional. É nessa fase que ele constrói uma relação de amizade (ou seria amor?) com uma dançarina bem mais jovem.

A pessoa que consegue despertar o riso nos outros tem uma habilidade imensa. Num mundo com tantas tristezas, injustiças e outras mazelas, o ato de rir pode ser visto como uma arma, como uma forma de mostrar que, apesar de tudo, ninguém é obrigado a suportar apenas a tristeza. Não defendemos a apatia diante da dor, apenas pensamos que o riso pode, inclusive, nos ajudar a enfrentar e mudar o que nos agride.

E como não se encantar por alguém que vive uma dificuldade com humor, com leveza? No cotidiano, às vezes, ouvir um bom dia caloroso de alguém pode, sim, deixar o dia melhor. No contexto do aprendizado, dependendo do modo com um assunto é abordado, e se vier com momento de descontração, o estudante pode se interessar mais pela matéria. E se alguém duvida dos efeitos terapêuticos do riso, basta lembrar de como sentimos após nos divertir.  De modo contrário, uma pessoa rixenta pode trazer um impacto negativo ao psicológico dos outros e dela mesma…

Ao pensarmos em como os filósofos tratam o riso e a comédia, lembramos que Aristóteles e Cícero realçam o riso como fruto de uma desvalorização do outro. Na modernidade, Hobbes afirma que o entusiasmo súbito é a paixão que provoca aquelas caretas a que se chama riso, o qual é provocado ou por um ato repentino de nós mesmos ou pela percepção de alguma coisa deformada em outra pessoa…Na obra “O paradoxo do comediante”, Diderot  deixa a entender que o comediante é uma pessoa fria que simula o que pretende transmitir ao público… Sobre os traços biográficos de Chaplin, não sabemos se era frio na vida real. E, ao que nos parece, o riso que a  comédia de Chaplin desperta não surge, necessariamente, de uma equiparação desrespeitosa ao outro.  Talvez, o traço marcante da obra de Chaplin seja a surpresa que ele desperta no espectador, suas expressões faciais… Seus filmes não seguem o estilo conhecido como pastelão. Talvez, o termo para caracterizá-los poderia ser “encantador”.

Quem dera outros Chaplins surjam para deixar nosso mundo mais interessante, mais leve, mais divertido e mais crítico! Temas do cotidiano como a relação entre pai e filho, mundo do trabalho, questões geopolíticas, pobreza, humor, ditadores em diferentes sociedades e tempos, gigolôs podem servir como mote para os comediantes. Por ora, quem sabe outras pessoas se interessem pelos filmes desse gênio? Garanto que não sairão desse universo entediados – termo tão usado pelas crianças do nosso tempo. Aliás, não seria a ocasião de apresentar a elas “O Garoto”? Ah, que pena será se o celular delas, com os vazios shorts do Youtube, lhes parecerem mais interessantes que o nosso querido Carlitos… O próximo a que assistirei será “Luzes da Cidade”…

 

Patrícia Carvalho Reis é professora no departamento de Filosofia da FAJE

09/10/2025

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