A natureza do infinito

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Bruno Pettersen

“O infinito pode ou não existir, Deus pode ou não existir, mas não há necessidade de nenhum dos dois na matemática.” Essa foi a afirmação de Doron Zeilberger (1950–), matemático e cientista da computação israelense naturalizado norte-americano, na introdução de uma de suas conferências sobre o tema do infinito. A partir dela, fiquei simplesmente encantado com a simplicidade da afirmação, mas também com a complexidade das implicações. Deixe-me contextualizar um pouco essa sentença a partir de minha perspectiva.

Uma de minhas paixões é a matemática. Apesar da minha vida ser dedicada à Filosofia, com alguma frequência estou próximo, nas minhas disciplinas, de temas matemáticos, especialmente a Lógica e a Filosofia Analítica. Por causa desse interesse pessoal, acabei introduzindo, há alguns anos, a discussão da teoria dos conjuntos de Georg Cantor (1845–1918) e Ernst Zermelo (1871–1953) e Abraham Fraenkel (1891–1965) (ZF) no interior do debate da Filosofia Analítica. A teoria de Cantor, inclusive, é um dos primeiros tratamentos matemáticos para lidar com o “infinito(s)”, na qual é possível pensar em graus diversos de gradações de infinitude. Mesmo a teoria de ZF é fundada na articulação de um axioma chamado Axioma da Infinitude, que afirma a existência de, pelo menos, um conjunto infinito, tal como o conjunto dos números naturais. Em outras palavras, ele garante que há um conjunto que contém o elemento vazio e, para cada elemento nele contido, também contém o seu sucessor. Sem esse axioma, a Matemática poderia apenas trabalhar com conjuntos finitos.

Por causa dessa perspectiva, qual foi a minha surpresa ao ler a reportagem da BBC Brasil “Porque alguns matemáticos querem acabar com o infinito: ‘É uma ilusão’”. Essa reportagem foi baseada em outra, da revista científica New Scientist, escrita por Karmela Padavic-Callaghan, intitulada “Why mathematicians want to destroy infinity – and may succeed” ou “Por que matemáticos querem destruir a infinitude – e podem conseguir”, publicada em 4 de agosto de 2025. A proposta descrita no artigo é chamada de Ultrafinitismo e propõe repensar os fundamentos da Matemática, da Lógica e até da Cosmologia, eliminando o uso de números e conceitos que ultrapassam qualquer possibilidade física de existência na realidade, como por exemplo, os conjuntos com membros infinitos. Essa proposta questiona se o infinito tem algum papel legítimo na descrição do mundo.

Essa proposta é, no mínimo, revolucionária e, no máximo, um absurdo matemático e filosófico. Deixe-me apresentar algumas reflexões. A primeira delas é de ordem prática: toda a matemática que temos hoje é, de alguma forma, baseada na proposta de Cantor/ZF sobre a possibilidade de lidar com conjuntos infinitos de números. Não é apenas uma proposta teórica, mas foi largamente concretizada no interior da Matemática e da Física, em campos como a teoria dos números e a Mecânica Quântica. Nesse sentido, perder a teoria do infinito nesses termos seria retirar uma das bases de apoio fundamentais da ciência. Mas, se for demonstrado que cientificamente seria melhor e mais preciso, então, que recomecemos.

A segunda reflexão possível é que o conceito de infinito, antes de estar presente nos cálculos de Cantor, já foi parte de inúmeras reflexões filosóficas e teológicas a respeito da realidade. O primeiro problema filosófico afetado seria uma questão metafísica: o infinito é uma propriedade do ser, do pensamento ou de ambos? Nesse sentido, a pergunta seria a respeito da própria realidade, buscando compreender se o pensamento humano sobre o infinito está simplesmente articulando uma metafísica a partir de conceitos sem qualquer fundamento real. Outro ponto é existencial, com toda a dificuldade de lidar com a finitude humana diante da ideia de infinito (morte, limite, transcendência). Pode ser que a vida humana se apresente apenas da perspectiva da finitude, sem qualquer transcendência possível. Por fim, claro, a perspectiva teológica diante do saber se o conceito de Deus, como ser infinito, é racionalmente sustentável ou contraditório.

Para terminar, quero apenas contar um breve paradoxo sobre o tema do infinito que sempre me chamou a atenção: o paradoxo do hotel infinito, criado pelo matemático alemão David Hilbert (1862–1943). Tal paradoxo ilustra as contradições do conceito de infinito. Tomemos um hotel com infinitos quartos, todos ocupados. Mesmo assim, se um novo hóspede chegar, o gerente pode acomodá-lo pedindo que o hóspede do quarto 1 vá para o quarto 2, o do 2 para o 3 e assim sucessivamente, liberando o quarto 1, tendo o hotel sempre cheio, mas com espaço para mais um. Se chegarem infinitos novos hóspedes, o gerente pode mover cada hóspede do quarto n para o quarto 2n, liberando todos os quartos ímpares. Nessa possibilidade, conjuntos infinitos “completos” podem sempre acomodar mais elementos, tendo sempre infinitos maiores que outros infinitos.

Nesse sentido, esse paradoxo e tantos outros como esse são apenas uma invenção da mente humana ou partes da própria realidade que ultrapassam nossa cognição? O infinito realmente existe?

Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

23/10/2025

Imagem: Shutterstock

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