Élio Gasda SJ
A questão ambiental é tema recorrente da Doutrina Social da Igreja. Na Laudato si, papa Francisco, lança “o urgente desafio de proteger a nossa casa comum que inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral”, e destaca a preocupação de seus antecessores com a Casa Comum: Paulo VI já alertava que “por motivo de uma exploração impensada da natureza, o ser humano corre o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação“. Para João Paulo II, o ser humano parece “não se dar conta de outros significados do seu ambiente natural, para além daqueles que servem somente para os fins de uso ou consumo imediatos“. Bento XVI convidou o mundo a “eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito do meio ambiente” (LS, 4,5,6).
Os alertas da Igreja, os gritos da terra e dos povos não são ouvidos. A situação é gravíssima. Termina amanhã a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26). O encontro teve início em 31 de outubro, em Glasgow (Escócia) e reúne líderes, empresários, movimentos sociais e ambientalistas. O evento é “a última e a melhor esperança” de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius.
Para alcançar essa meta é crucial que se façam cortes imediatos e drásticos nas emissões de carbono, substituir combustíveis fósseis por energias renováveis, reduzir o desmatamento, proteger os povos da floresta e os ecossistemas entre outras ações. É fundamental que os países ricos destinem 100 milhões de dólares por ano para apoiar países em desenvolvimento no combate às mudanças climáticas.
A justiça climática talvez seja possível em 2023, com o cumprimento da agenda do Acordo de Paris firmado em 2015. Se esses objetivos não forem levados a cabo, a COP 26 será outro fracasso diplomático. Uma “Celebração de duas semanas, muito blá, blá, blá para manter as coisas como de costume” (Greta Thunberg). De fato, já ocorreram 26 COP. Então, “não é em 2030 ou em 2050. É agora!” (Txai Suruí).
Será mesmo a COP26 um divisor de águas? Como acreditar que os mais de cem países que assinaram acordo para zerar o desmatamento até 2030 vão cumprir o tratado? O Brasil assinou, mas Bolsonaro cortou 93% da verba para pesquisa em mudanças climáticas. Em 2016 o governo gastou R$ 20,7 milhões. Em 2020, foram gastos R$ 659 mil. Neste ano, até outubro, foram gastos R$ 426 mil. O governo Bolsonaro é inimigo do meio ambiente. Já são mais de mil dias de destruição. Negacionista mais perigoso do planeta, Bolsonaro foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional ‘por crimes ambientais num contexto de crimes contra a humanidade’. Vexame internacional! O Brasil de hoje é um problema ambiental para o mundo.
“A COP26 pode e deve contribuir ativamente para essa construção consciente de um futuro onde as condutas cotidianas e os investimentos econômicos e financeiros possam realmente salvaguardar as condições de uma vida digna da humanidade de hoje e de amanhã num planeta ‘saudável‘” afirmou Papa Francisco em mensagem enviada à Conferência.
As mudanças precisam ser radicais. Toda a sociedade e todos os setores público e privado devem estar engajados para modificar esse sistema de produção capitalista, individualista e predador da natureza. Não se pode visar somente o lucro: “trata-se de uma mudança de época, de um desafio de civilização para o qual é necessário o compromisso de todos e em particular dos países com maiores capacidades…”, acrescentou Francisco.
Basta de promessas não cumpridas. “Infelizmente, devemos notar amargamente o quão longe estamos de alcançar os objetivos desejados para combater as mudanças climáticas. Deve ser dito honestamente: não podemos nos permitir isso! …não há mais tempo para esperar; … são os rostos humanos que estão sofrendo com esta crise climática: … especialmente populações mais vulneráveis, percebemos que se tornou também uma crise dos direitos das crianças e que, em um futuro próximo, os migrantes ambientais serão mais numerosos do que os refugiados dos conflitos. Devemos agir com urgência, coragem e responsabilidade. Agir para se preparar para um futuro em que a humanidade seja capaz de cuidar de si mesma e da natureza” concluiu o pontífice.
A ditadura da economia é causa estrutural da crise socioambiental. O controle global do dinheiro ameaça a humanidade inteira. Defender a Mãe Terra é a mais importante das tarefas. “Este sistema com a sua lógica implacável do lucro está ficando fora do controle humano. Chegou a hora de travar essa locomotiva descontrolada que nos está conduzindo ao abismo. Ainda estamos a tempo” (Papa Francisco, Quarto Encontro Mundial dos Movimentos Populares).
Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
Publicado originalmente em https://domtotal.com/noticia/1549930/2021/11/cop26-ainda-estamos-a-tempo/