Elton Vitoriano Ribeiro SJ
No ano de 2014, o filósofo Byung-Chul Han escreveu: “Hoje acreditamos que não somos sujeitos submissos, mas projetos livres que se esboçam e se reinventam constantemente”. Essa frase expressa, lapidarmente, o conteúdo do texto do professor coreano que trabalha na Alemanha, sobre a psicopolítica, o neoliberalismo e as novas técnicas de poder e controle social. As ideias provocativas e críticas, mas também muito criticadas, do autor, constituem parte de seu pensamento filosófico. Além da “Psicopolítica (2014)”, outros textos instigantes são: “A sociedade do cansaço (2010)”, “A sociedade da transparência (2012)” e “A sociedade paliativa (2021)”. Todos esses textos formam as bases da Filosofia da Cultura de Byung-Chul Han. Mas, em que consiste a psicopolítica?
A psicopolítica, numa primeira definição simplista, é a expressão de um novo tipo de controle político que incide principalmente sobre as mentes humanas. Juntamente com a biopolítica que incide diretamente sobre os nossos corpos, a psicopolítica incide profundamente em nossa psique para explorá-la por meio de dispositivos muito conhecidos de cada um de nós: a emoção, o consumo, o desejo, as necessidades etc. Para Byung-Chul Han, um novo tipo de servidão é articulada pelo imperativo neoliberal da coerção interna. Por isso, é sobre a compreensão da liberdade humana nas sociedades contemporâneas neoliberais que nosso autor se pergunta. Isto porque, o neoliberalismo apresenta o ser humano como um ser livre de imposições e aberto a todo tipo de projetos, tornando o sujeito contemporâneo um empreendedor de si mesmo. Yes, we can! – Sim, nós podemos! – é o seu mote. Mas será isso mesmo?
Antes, vamos falar, brevemente, sobre o neoliberalismo. O neoliberalismo surge nos anos 30 como uma doutrina econômica. Nas décadas posteriores torna-se cada vez mais onipresente como interpretação sobre o lugar e a importância do mercado econômico na sociedade. Nos anos 80, o neoliberalismo é interpretado como sendo uma forma de se fazer economia política. Finalmente, chega-se à concepção contemporânea onde o neoliberalismo é compreendido como uma forma radical do capitalismo que tende a absolutizar o mercado financeiro. Nessa absolutização, o mercado financeiro se converte em meio, método e fim de todo comportamento humano, subordinando a vidas das pessoas (seus corpos e suas psiques), o comportamento das sociedades e a política dos governos aos seus ditames. Nada escapa de suas garras afiadas e longas.
A crítica de Byung-Chul Han é a de que o regime neoliberal emprega nossa psique, nossas emoções, sentimentos e desejos como recursos para mais produtividade e desempenho. Para ele, o neoliberalismo, como mutação do capitalismo, converte (esta palavra não é gratuita) o trabalhador em empreendedor. A liberdade desejada com tanto vigor pelo cidadão cede lugar à passividade do consumidor. Agora, cada um precisa assumir o controle de sua vida para fazê-la produzir cada vez mais. Somos pessoas sempre extremamente ocupadas com uma infinidade absurda de atividades que visam a um mesmo fim: tornar-nos empreendedores de nós mesmos. O sujeito que se pensava livre e autônomo, senhor de si mesmo e de seus projetos, é na verdade um explorador de si mesmo, somos aos mesmo tempo senhor e escravo. Por isso mesmo, somos uma sociedade do influencer, do management emotivo, do treinador motivacional, do coaching, do mentoring e do counseling, da pobreza gramatical do Twitter e do apelo afetivo do like. Vivemos o capitalismo das emoções numa era da emoção performativa. Resultado: “No regime neoliberal da autoexploração, a agressão é dirigida contra si mesmo. Esta autoagressividade não converte o explorado em revolucionário, mas em depressivo”.
Aqui já começa a ficar claro como as novas técnicas de poder e controle social funcionam. Elas preferem seduzir em vez de proibir. É mais produtivo moldar nossas mentes em vez de disciplinar nossos corpos. É mais eficaz agradar para despertar a dependência do que mandar para gerar a obediência. Assim, as novas restrições ao parecerem voluntárias, parecem naturais e geradas pela própria liberdade. Nas palavras de Byung-Chul Han: “A psicopolítica neoliberal é dominada pela positividade. Em vez de operar com ameaças, opera com estímulos positivos. Não emprega a ‘medicina amarga’, mas o ‘eu gosto’. Lisonjeia a alma em vez de sacudi-la e paralisá-la mediante choques. A seduz em vez de opor-se a ela. Toma a sua dianteira. Com muita atenção toma nota das ânsias, das necessidades e dos desejos (…). A psicopolítica neoliberal é uma política inteligente que busca agradar em vez de submeter”.
É possível escapar desta rede? Existe saída para tudo isso? Um projeto de vida e de sociedade humanista e humanizador é possível? Para mim, a reflexão e ação constantes do Papa Francisco é um projeto humanista sendo gestado e realizado na melhor acepção do termo. Sua Encíclica Fratelli Tutti (2020), por exemplo, não aponta apenas para uma fraternidade possível, mas para um sonho de humanidade com sabor de evangelho. Mas, isso já é um outro assunto.
Elton Vitoriano Ribeiro SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da FAJE