Alfredo Sampaio Costa SJ
Como podemos manter nossa atenção focada em Jesus, ao mesmo tempo que pedimos luz para compreendermos o que devemos fazer? Como levar adiante nossa vida, quando a situação parece escapar ao nosso controle? Importa aqui considerar mais uma atitude a ser alimentada com cuidado: descobrir a importância decisiva dos Mistérios da Vida de Cristo na vida espiritual.
Lembramos aqui a importância decisiva que a meditação prolongada da “Vita Christi” durante a convalescença em Loyola provocou ao cavaleiro Iñigo de Loyola! Foi para ele uma autêntica escola de oração e de enamoramento a Cristo!
A contemplação dos Mistérios da vida de Cristo não é somente uma “preparação” para o momento posterior de tomar uma decisão na vida, enquanto garante as disposições requeridas para que a escolha seja bem-feita. A perspectiva correta para contemplarmos os mistérios da vida de Jesus é uma perspectiva de convite, vocação e chamado a colaborarmos com Ele e como Ele, motivados exclusivamente pelo amor suscitado pela pessoa de Jesus. A história de Cristo (EE 102) dá a pensar, como a história dá a amar. É ao interior da contemplação da vida do Verbo encarnado que nos é dado conhecê-lo internamente e crescer no amor por Ele (1) .
O tempo da contemplação é realmente a entrada na novidade eterna do instante temporal da Encarnação. Neste sentido místico e preciso, o exercitante se torna contemporâneo ao mistério; ele se entrega na contemplação como o sinal eficiente de uma comunhão transformante à história e à vida de Jesus (2) . Essa oração contemplativa (cf. 2Cor 3,18) corresponde ao duplo movimento da vida do Cristo que se entrega e de minha entrada nela. Esta transformação é também a iniciação à vida trinitária. Desde a Encarnação (EE 101 ss) todos os mistérios da vida de Cristo são mistérios da vida trinitária. A Santíssima Trindade se manifesta, aliás, solenemente em duas teofanias ligadas à oração de Jesus, uma na sua entrada na vida pública (quinto dia: EE 158.273) e outra diante da subida a Jerusalém (EE 284). A vida humana de Cristo nos introduz a partilhar da sua glória divina.
O papel da contemplação na eleição: Nos Exercícios Espirituais, todo o processo de busca da vontade divina é vivido integralmente no clima contemplativo oferecido pela vida pública de Jesus. Nestas cenas profundamente vitais e livres encontraremos o que Deus quer em concreto para nós, à medida em que contemplamos como Jesus entendeu, viveu e experimentou a vontade de Deus na própria vida. A contemplação continuada dos Mistérios da vida pública de Cristo nos Exercícios, desde o quinto ao décimo-segundo dia – com possibilidade de alargar ou encurtar (Cf. EE 162) – tem a função primordial de ir transfigurando e configurando nossa vida segundo o estilo de Jesus, até chegar a aceitar, no momento da eleição, que o eixo estruturante de sua vida já não seja “o que eu quero” (sua vontade própria), mas sim “o que Deus lhe dá a querer, o que Deus coloca na sua vontade (a vontade de Deus sobre a sua vida). A maneira como Jesus trilhou seu caminho de forma livre na descoberta e seguimento da Vontade do Pai vai servir como polo objetivo a nós, para que nossa “reflexão para tirar algum proveito” seja inspirada no caminho a que somos convidados a seguir, obedecendo às moções suscitadas e discernidas (3) .
Buscar e encontrar a vontade de seu Pai foi sempre a paixão de Jesus, seu desejo unificador e central, o seu alimento. Toda a vida de Jesus gira em torno à realização da vontade do Pai e de levar a cabo a sua obra (Jo 4,34; 5,19.30.36; 7,28; 8,28; 10,25; 12,49; 13,3; 14,31) (4) . Este plano se prolonga em cada um de nós. Paulo nos exorta a termos os “mesmos sentimentos (atitudes) de Cristo Jesus” (Fl 2,4). Trata-se de passar à imitação e ao seguimento de Cristo Jesus por meio do discernimento. Há que saber descobrir, buscar e valorizar as atitudes de Jesus como indícios e sinais do que pode ser a vontade de Deus para nós (5) .
Na contemplação dos mistérios da Vida de Nosso Senhor, experimentaremos o apelo a uma conversão total, ao mesmo tempo que também se revelará a nós a conflitualidade inerente a todo desejo de imitação de Cristo e seu seguimento. Conflitos com os interesses desse mundo e com as estruturas com que os homens defendem os seus interesses. Assim sendo, a oração durante o tempo da Eleição se reveste de dramaticidade à medida em que contemplamos como o próprio Jesus entrou em conflito com as práticas institucionais e os interesses dos grupos dominantes do seu tempo. O discernimento para seguir Jesus nos levará quase inevitavelmente também ao conflito e à Paixão (cf. Mt 10,24; Lc 14,27). Quem conduz a contemplação é o Senhor. A técnica e o modo que Inácio propõe são somente um instrumental. Para contemplar é preciso ser capaz de apostar no gratuito, no que é, aparentemente, ineficaz (6) .
Entrar na História e na Vida do Cristo: Como se exprime esse caminho espiritual onde a vida do exercitante se une à história do Verbo encarnado? Os termos utilizados a esse propósito são os seguintes: conhecer, seguir, imitar, servir e amar (7) . Contemplar os mistérios da vida de Cristo Nosso Senhor é sermos iniciados à sua história, é segui-lo, hoje, unido a ele, glorioso ao mesmo tempo que estigmatizado, Senhor e Servo para a eternidade. A figura paradoxal do Verbo encarnado dita assim o ritmo espiritual da história da salvação na qual somos convidados a entrar. Este termo retorna durante toda a Segunda Semana (EE 95. 104. 109. 130. 175. 179). Seguir o Cristo é deixar-se iniciar à sua história; é, depois dele, percorrer o caminho da “vida de Cristo N. S.” (EE 4). Se se trata de história, trata-se de liberdade. O mesmo preâmbulo (EE 104) fala de “amor”. A palavra “amar” só aparece uma vez no texto da segunda semana. Mas esse pedido deve ser repetido cinco vezes por dia: ele determina o alcance de toda a oração. Sem amor a Cristo não existe seguimento!
Pe. Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
1- Albert Chapelle, ”La contemplation evangelique et l´application des sens (EE 118-126), em: AA.VV, Les Exercices Spirituels d´Ignace de Loyola. Un commentaire littéral et théologique, Bruxelles: Éditions de l´Institut d´Études Théologiques 1990, 217.
2- J. Lepers, L´application des sens, Christus 124 (hors série) (1984) 99-110.
3- Cf. Ivan Restrepo Moreno, La elección y la reforma de vida desde el texto ignaciano, Apuntes Ignacianos 58(enero-abril 2010) 8-9.
4- Javier Melloni, Itinerario hacia una vida en Dios, EIDES 30 (2001) 33.
5- Josef Vives, Vida cristiana y discernimiento, EIDES 40 (2004) 17.
6- Cf. María Luz de la Hormaza, La contemplación ignaciana, camino de encuentro, Manresa 81 (2009) 114-115.
7- Albert Chapelle, ”La Suite des Mystères”, 230.