Ir. Afonso Murad
O mundo inteiro está com a gente vibrando. A nossa torcida é pela vida
E a gente vai conseguir cantando… Cuida do jardim pra mim, deixa a terra florescer
Pensa no filhote do filhote que ainda vai nascer (Rubinho do Vale – Filhote do Filhote).
Estamos descobrindo que a ecologia não é uma questão secundária, pois ela diz respeito à continuidade da vida para nossa espécie e todo o planeta. Toca o presente e diz respeito ao futuro. Só temos essa Casa para habitar, e nela convive uma enorme gama de seres. Embora cada vez mais a população se concentre na cidade, desejamos cultivar uma sintonia com o solo, a água, o ar, o sol e a lua. Com é bom escutar o canto dos pássaros, caminhar na mata, sentar-se à sombra de uma árvore, sentir o frescor da manhã, banhar-se nas águas de uma cachoeira ou brincar com as ondas do mar. A ecologia traz à humanidade a oportunidade de se reencantar com o mundo, desenvolver a sensibilidade, aguçar os cinco sentidos e admirar a beleza do Planeta em que vivemos, e da qual não somos proprietários, e sim inquilinos.
A consciência ecológica, que partiu da noção de meio ambiente, dilatou-se. Demo-nos conta de que somos filhos e filhas da Terra. As nossas atitudes pessoais, coletivas e institucionais impactam sobre o planeta, tanto para manter o ciclo da vida, quanto para destruí-lo. Mais ainda, ecologia e compromisso social andam juntos, pois procuramos responder, ao mesmo tempo, ao grito dos pobres e ao grito da Terra. Por isso falamos em “ecologia integral”. Não se trata somente de deter a destruição dos ecossistemas, mas também de criar relações de cooperação e reciprocidade, alterar a cadeia produtiva, acolher a diversidade humana e cultivar uma eco-espiritualidade.
Ecologia abarca: uma ciência, uma causa para se engajar e um novo jeito de compreender o ser humano no mundo.
A ecologia como ciência: Tudo começou com a biologia. Inicialmente, a ecologia era compreendida como o estudo dos seres vivos em relação com as suas moradas (água, ar e solo). Daí evoluiu para estudar as condições de existência dos seres vivos e todas as interações entre eles e o seu meio. Segundo F. Capra, a ecologia é o estudo de como a Terra funciona, ou seja, as relações que interligam todos os moradores da nossa Casa Comum: os seres abióticos (solo, água, ar, energia do sol) e bióticos (microorganismos, plantas, animais e humanos). Portanto, a ciência da interdependência.
A ecologia estuda a bela e frágil teia da vida que constitui o nosso planeta, incluindo nós, os humanos. Ela não somente é “um saber sobre a natureza”, e sim a ciência acerca da relação entre todos os seres, para tornar possível a continuidade da vida na Terra. Enquanto ciência, a ecologia se torna cada vez mais importante, ao pesquisar acerca dos ciclos de vida, das múltiplas relações entre microorganismos, plantas, animais e os humanos. Precisamos conhecer como funcionam os mecanismos de troca de matéria e energia nos ecossistemas. É necessário pesquisar e implantar processos ecologicamente amigáveis. Assim, combatemos a falsa imagem de que os ecologistas são “contra o progresso”, pessoas despreparadas e sem propostas concretas para a sociedade. Queremos conhecer para transformar.
Ecologia como engajamento: Nossos irmãos latino-americanos usam uma palavra própria, “ecologismo”, que traduzimos por “engajamento ecológico”. Pessoas, grupos e organizações que se comprometem em causas ecológicas e sociais fazem parte dessa grande corrente do bem. Em busca de “outro mundo possível” reúnem-se cidadãs e cidadãos comuns, ambientalistas, ONGs, grupos religiosos, políticos, comunicadores, advogados, pesquisadores e empresários. O movimento ecológico organiza-se como uma rede em torno a causas comuns, de diferente amplitude. Desde a ação local em defesa de um rio ou pela mobilidade urbana; passando pela luta em favor dos biomas; da produção e consumo de alimentos saudáveis; de políticas públicas de água, saneamento básico e saúde preventiva; até as decisões intergovernamentais de abrangência mundial. Enquanto prática, a ecologia se realiza simultaneidade em atitudes individuais, ações comunitárias e políticas institucionais em âmbito local, regional, nacional e planetário.
– Atitudes individuais: consiste em sensibilizar e criar consciência nas pessoas, de forma que modifiquem seus hábitos pessoais e cotidianos.
– Ações comunitárias: são aquelas empreendidas por um grupo de pessoas. Exigem mobilização, discussão e atuação. Exemplo: comunidades rurais preservam as nascentes e os riachos e cultivam alimentos agroecológicos; comunidades urbanas lutam para melhorar o transporte público, comunidades locais resistem às investidas das mineradoras.
– Políticas institucionais: são promovidas por organizações privadas, públicas e internacionais. Exemplo: empresas implantam processos que diminuem a geração de resíduos sólidos e efluentes, realizam o reuso de água e geram energia limpa. Vários países estabelecem leis ambientais acerca da separação dos resíduos recicláveis, controlam a emissão de poluentes na água, no solo e no ar e punem os transgressores. Estabelecem as áreas protegidas. Demarcam as terras de comunidades indígenas e quilombolas. Há também políticas institucionais de organismos internacionais, que forçam as empresas e os governos a adotarem medidas que impactarão positivamente no planeta. Assim acontece com os protocolos (decisões) a respeito do clima, da biodiversidade, da desertificação e das florestas.
A educação ambiental, que acontece em escolas, igrejas, sindicatos e outros espaços coletivos visa criar uma nova mentalidade de cuidado da Casa Comum. Ela fornece informações sobre o meio ambiente, apura nossa sensibilidade, reflete sobre o sentido da atuação humana sobre a Terra, suscita ações individuais e coletivas, e confere poder à comunidade local como protagonista de mudança. Educação ambiental e engajamento ecológico-social se complementam. Pois a gente aprende muito na prática transformadora. E precisamos de informações para abrir nossa consciência.
Ecologia como um jeito novo de ver o mundo (paradigma): A ecologia leva a uma nova forma de compreender o lugar do ser humano no nosso planeta. Tornou-se um paradigma, ou seja, um padrão de apreciação, de explicação e de ação sobre a realidade.
Nosso continente está dominado por uma visão anti-ecológica e desumanizadora. Ela se sustenta num paradigma antropocêntrico, que coloca o ser humano no centro e reduz todas as outras criaturas a coisas, objetos e recursos. O ser humano é como o reizinho, o dono de tudo. O mundo parece um reservatório infinito, do qual se pode retirar todo o necessário para produzir, vender e consumir, cada vez mais. Esse modelo é opressor, pois considera como modelo ideal do ser humano somente o homem macho, branco e rico. Os pobres, as mulheres, os povos indígenas e afrodescendentes são colocados em segundo plano. Ora, o paradigma ecológico supera esta visão.
– O ser humano está no centro, mas junto com os outros seres, em busca de comunhão. É filho(a) da Terra, é a própria Terra em sua expressão de consciência, de liberdade e de amor. O destino do ser humano está associado ao destino do cosmos.
– A humanidade avança quando inclui as diferenças de gerações, de gênero, de etnias, de culturas e de tradições religiosas. A biodiversidade inspira a cultivar a diversidade humana. O ser humano individualista e competidor fracassará, em longo prazo. A evolução do nosso planeta mostrou que não foram os mais fortes que sobreviveram, e sim aqueles que conseguiram estabelecer relações de cooperação e interdependência.
– O saber ecológico utiliza a razão instrumental da ciência moderna, mas também valoriza a razão simbólica e cordial (do coração), os sentidos corporais e os valores espirituais. Assume que somos razão e afetividade. Assim, conhecer não é somente uma forma de dominar a realidade, mas também de entrar em comunhão com os outros seres.
Ecologia integral e eco-espiritualidade: A ecologia integral, segundo o Papa Francisco na Laudato Si, compreende a ecologia ambiental, econômica e social; a ecologia cultural; e ecologia urbana e da vida cotidiana (LS 138-155). A ecologia no conecta novamente com todos os habitantes da Casa Comum. Daí nascem em nós sentimentos e atitudes de reverência, respeito, gratidão, louvar, paz interior, paz interior, simplicidade voluntária. Percebemos que cada criatura tem valor em si mesma, e não em vista da utilidade para nós. O universo é um grande alfabeto de Deus. A espiritualidade nutre o amor à vida em toda sua extensão, a começar dos mais frágeis. Acalenta, sustenta e anima nossa esperança no “novo céu e nova terra”.
Ir. Afonso Murad é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE.
Artigo publicado originalmente em ecologiaefe.blogspot.com e na Agenda Latino-americana 2019