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A Ecodemocracia do Papa Francisco

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Elton Vitoriano Ribeiro SJ

O conceito de Ecodemocracia é ainda pouco explorado na reflexão contemporânea. Muitos autores acabam trabalhando o conceito indiretamente quando se preocupam com a ecologia integral, com a justiça socioambiental e com o futuro da democracia. Assim, a Ecodemocracia englobaria todos esses temas buscando articulá-los numa forma de compreensão da democracia na qual a opinião pública, a sociedade civil, as instituições e o Estado colocariam as preocupações ecológicas e sociais no mesmo patamar das preocupações econômicas. Na verdade, para a Ecodemocracia, essas três preocupações devem estar presentes em todas as decisões políticas das sociedades contemporâneas.

Apesar deste conceito ainda ser novo, a ampliação do mesmo nas discussões políticas tem sido um fator de esperança. No ano de 1998, Walter Moore apresentou um modelo de Ecodemocracia no livro EcoDemocracia: El modelo post-capitalista. Neste texto, o autor busca construir a ideia de comunidades de amparo. Ao contrário das sociedades industriais que seriam sociedades do desamparo (desigualdades, desempregos, lutas por reconhecimentos, etc.), as comunidades de amparo usariam os potenciais dos meios de produção pós-industrial para gerar e distribuir as riquezas equitativamente. Essa distribuição aconteceria porque elas seriam, e aí vai toda a argumentação do livro sobre a plausibilidade desta ideia, comunidades desmercatilizadas, desbancarizadas e desburocratizadas. Apesar da interessante argumentação do autor, um modelo pós-capitalista como o dele parece não ter muito futuro. Como afirmar Mark Fischer no título de um de seus livros: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”.

Um trabalho interessante e atual sobre a Ecodemocracia é um artigo de vários autores organizados por Helen Kopnina intitulando Ecodemocracy in practices: exploration of debates on limits and possibilities of addressing environmental challenges within democratic systems (2022). Nesse texto discute-se a Ecodemocracia na prática, ou seja, em debates que exploram as possibilidades e os limites, em sistemas democráticos, dos desafios ambientais. Na mesma direção, mas mais preocupado com princípios e, por isso mesmo, de cunho mais filosófico, temos os trabalhos de Leonardo Boff publicados em 2022: Covid-19: A mãe Terra contra-ataca a humanidade e Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal?. Nesses dois textos, como os próprios títulos indicam, a questão ambiental é interpretada a partir da crise pandêmica em que vivemos e de um olhar orientado por uma fraternidade universal. Nas palavras de Leonardo Boff: “Uma fraternidade humana universal possível: outro tipo de presença no mundo”. Boff propõe, em seus textos, uma mudança paradigmática: do dominus ao frater.

Ao falarmos de Ecologia, Democracia, Casa Comum e Fraternidade Universal, não podemos deixar de mencionar dois textos importantes de Papa Francisco que podem fundar um Ecodemocracia plena, fraterna e possível. Os textos são: Laudato Sí (2015) e Fratelli Tutti (2020). Nesses textos, de forma crítica e sapiencial, encontramos os principais elementos para uma compreensão atenta da realidade atual, seus desafios e seus avanços, e uma direção possível para a Ecodemocracia. Papa Francisco não usa o termo Ecodemocracia, mas lança bases seguras para novos horizontes políticos, culturais e de transformação ecológica.

Na Encíclica Laudato Sí: sobre o cuidado com a casa comum, Para Francisco apresenta um panorama sobre a situação ecológica da nossa casa comum. Para ele vivemos uma crise socioambiental na qual a complexidade das questões sociais, ambientais, políticas, econômicas e culturais se entrelaçam o tempo todo. Tudo está interligado. A tônica do texto é a questão ecológica, por exemplo, presente na deterioração global do ambiente, no desenvolvimento irresponsável da desigualdade, nos modelos de produção e consumo das sociedades desenvolvidas e nas estruturas excludentes de poder. O apelo da encíclica é por um desenvolvimento sustentável e integral, por uma renovação do diálogo sobre a maneira como a humanidade está construindo o futuro do planeta e por uma educação integral. Educação que aponte para um outro estilo de vida, estilo atento, especialmente, para a vida do planeta e para os direitos dos pobres. O modelo paradigmático deste novo estilo de vida é Francisco de Assis: exemplo de cuidado pelo que é frágil, preocupação com a natureza, justiça para com os pobres, empenho público na sociedade e busca da paz interior.

Depois da Laudato Sí, o outro passo de Papa Francisco na construção de estruturas para uma Ecodemocracia encontra-se na Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. Para Papa Francisco, a Fraternidade e a Amizade Social são importantes e fundamentais como caminhos para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais pacífico e mais humano. Aqui, nesta encíclica, a argumentação se concentra na vida social, na política e nas instituições sociais. Partindo de um olhar atento às sombras do nosso mundo que produz uma cultura fechada, de muros, onde a desigualdade, o desemprego, o racismo, a xenofobia, a cultura do consumo e do descarte prevalecem apoiadas numa lógica de mercado baseada no lucro; Papa Francisco propõe uma outra cultura, a de construção de pontes, de fraternidade e de amizade social.

 

Construir pontes, aqui, será fazer da política não apenas um lugar de gestão da sociedade humana, mas especialmente um lugar onde democracia, liberdade, justiça e bem comum estejam a favor da construção de um mundo melhor. A política, assim entendida e buscada, pode ser uma das formas mais preciosas e fundamentais da caridade social porque a serviço do bem comum. O modelo paradigmático deste projeto é o Bom Samaritano presento no Evangelho de Lucas (Lc. 10,25-37): exemplo de atenção social, cuidado e compaixão. Exemplo que nos ensina que todos somos chamados a estar próximos, a nos fazer próximos, uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais, na construção de políticas públicas e de sociedades mais justas. Portanto, a partir desses dois textos de Papa Francisco é possível pensar os fundamentos e os planos de ação para ampliar nossa consciência democrática em vista de um futuro ecodemocraticamente viável, ou seja, um futuro onde a Ecodemocracia seja o fundamento da sociedade.

Elton Vitoriano Ribeiro SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia, e reitor da FAJE

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