Pesquisar
Close this search box.

A luminosidade do Mistério Pascal

advanced divider

Luiz Sureki, SJ

É interessante notar como “religião”, “revelação”, “verdade”, “iluminação”, “transfiguração”, “ressurreição”, “nascimento”, “espírito” encontram na experiência e no símbolo da luz uma bela expressão.

Nos referimos à luz quando falamos em elucidar um problema, ou quando dizemos algo como: “agora ficou claro!” Quando alguém diz: “não vejo mais sentido na vida”, está em verdade dizendo: “não vejo nenhuma luz”; “perdi toda orientação”. A principal referência de orientação geográfica para os nossos antepassados era o sol e as estrelas. Para orientar-se é preciso buscar a/uma luz, seguir a luz. Orientação vem de “Oriente” que é o lugar onde nasce o sol. Desorientado é quem não tem luz ou não tem uma luz para seguir adiante.

O termo religioso “Deus” deriva do sânscrito div (luminoso, brilhante, reluzente). Desse mesmo radical surgem outros termos como “divino” e “dia”. A experiência mais fundamental que o ser humano pode ter ou fazer de Deus é de luminosidade, transparência. As primeiras palavras proferidas por YWHW na Torá são: “Faça-se a luz!”. Quanto mais próximos da luz, mais transparentes nos tornamos, e melhor podemos ver. Moisés quando descia do Horeb, após ter estado na presença de YWHW, trazia o rosto resplandecente, radiante. Uma pessoa “radiante” é alguém que irradia vitalidade. Não é sem mais que a vida é representada com cores brancas e transparentes, ao contrário da representação da morte, que normalmente traz cores negras e obscuras.

As religiões se apresentam como sendeiros luminosos, como caminhos para se chegar à verdadeira luz, ao luminoso, à divindade, a Deus. Salvação e experiência de Deus nas religiões são muitas vezes ilustradas e compreendidas como “iluminação” (budismo), transfiguração, ressurreição (saída das trevas, do escuro; da morte para a vida, luz plena. “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,2), os magos vindos do oriente seguiam uma estrela luminosa (Mt 2,2), os pastores são envoltos na glória resplandecente de Deus (Lc 2,9). O nascimento é expresso como “vir à luz”. A mulher “deu à luz”: “Ela dará à luz a um filho, e tu lhe porás do nome de Jesus…” (Mt 1,21).

As imagens empregadas para referir-se ao Ressuscitado são radiantes, brilhantes, transparentes. O símbolo do Ressuscitado na Liturgia é o Círio Pascal aceso. A celebração do Sábado Santo é chamada “celebração das Luzes”. A vela acesa nas orações nos remete à luz divina. A realidade do espírito é sempre imaginada como transparente, distinta da opacidade da carne, da matéria.

Associada à luz está a figura do fogo. O Espírito Santo que ilumina, orienta e aquece o coração é representado em línguas de fogo baixando do alto. O relato da manifestação de Deus a Moisés, na conhecida passagem de Ex 3,1s, se serve da imagem do fogo que arde e, contudo, não consome a sarça. Aqui Deus é apresentado inicialmente como aquele que fascina, desperta a curiosidade, exerce uma atração sobre o humano. Diga-se de passagem, que a descoberta do fogo foi uma verdadeira revolução na história. Como o sentido da visão é o que está imediatamente associado à luz, a comunhão definitiva com Deus, o luminoso por excelência, foi compreendida e expressa como visio beatifica, assim como a necessidade de alguma purificação para esta comunhão foi expressa pela imagem de um “passar pelo fogo” ou ser definitivamente aniquilado por ele (Ap 20, 14).

Partindo dessas considerações um tanto livres e espontâneas não é difícil percebermos a relação que se estabelece entre o divino/Deus e o referenciar-se humano a um horizonte/fundamento último de sentido. Assim, a experiência da luz ou da iluminação, a referência ao céu ou ao alto (enquanto é o lugar dos astros fulgurantes, luminosos) será uma constante nas narrativas religiosas. Os símbolos religiosos de várias religiões expressam a ideia de luz. É o caso, por exemplo, da lua e da estrela do Islamismo, da estrela de Davi ou da Menorah do Judaísmo.

Como o Divino habita as alturas é também, por vezes, designado como “o Altíssimo” (como nas palavras do anjo Gabriel a Maria Lc 1,32). O Reino de Deus que Jesus anunciava é igualmente expressado como o “Reino dos Céus”, “Reino do Alto”. Jesus Cristo, como o Filho do Altíssimo, do Luminoso, “o que se transfigurou para manifestar sua divindade”, se apresentará e será apresentado como Luz: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não anda nas trevas” (Jo 8, 12). Do mesmo modo, professamos na fé em Jesus Cristo que, ressuscitado, subiu ao Céu, está sentado à direita de Deus.

A relação da verdade com a luz também se diz etimologicamente pelo termo grego “αλήθεια”: des-cobrir, trazer à luz, à vista de todos; e pelo termo “αποκάλυψις”: re-velação, tirar o véu, des-velar. Verdade(iro) se diz do que é claro ou posto às claras, do que é afirmado ou feito com transparência, lucidez. “Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que suas obras sejam manifestas (reveladas), porque feitas em Deus” (Jo 3, 21).

Deus é Espírito, Deus é Luz. Espírito é total transparência a si. O Filho veio nos revelar o Reino do Espírito, da Luz, da Verdade. O cristão é aquele que crê que o caminho para o Divino, para Deus, para a Luz foi revelado, foi trazido à luz, foi dado a conhecer pelo próprio Deus/luz que em Jesus Cristo, luz do mundo, veio iluminar nosso caminho, nossa vida espiritual. “Eu sou a luz que vim ao mundo, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas” (Jo 12, 46).

Quando celebramos a vitória da vida sobre a morte, a ressurreição de Jesus Cristo, nos utilizamos de muitos símbolos vitais como água e fogo, mas o símbolo da luz continua, com menor ou maior intensidade, dependendo dos momentos celebrativos, “iluminando” todo o contexto celebrativo da Páscoa.

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

 

...