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A pessoa humana, imagem e semelhança de Deus, e sua liberdade de consciência

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Élio Gasda SJ

A consciência é uma questão central da ética. São novos tempos! É preciso ressignificar muita coisa. A laicidade do Estado, o acesso irrestrito à informação, os novos modelos de família, o pluralismo religioso e cultural. Tecnologias digitais, cibernética, epistemologia genética, neurociências, complexidade, medicina molecular, neuropsiquiatria. Celebramos a emancipação feminina e a extensão dos direitos humanos.

Em pleno século 21 vivemos retrocessos. Mudanças climáticas ameaçam o planeta, direitos civis ameaçados, feminicídios, sexismos, estupros, racismo, uma “democracia em vertigem”, ecocídio, genocídio, fome, miséria e até a negação das ciências, a hegemonia do capitalismo neoliberal, obsessão pelo consumismo. Há tentativa das religiões em controlar os indivíduos.

São muitas mudanças, impasses e desafios para a consciência humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 18 garante: toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.

Para a ética cristã, “a consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo” (Catecismo, nº 1778)! Reiterando a coluna anterior, a Igreja não tem obrigação de dar respostas para todos os problemas, mas pode apontar caminhos. Não é sua função policiar as consciências e condenar comportamentos. Seu convite é à conversão. Também a Igreja está em processo de aprendizagem.

“As tentativas para violentar as consciências desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador” (Gaudium et spes, nº 27).

A doutrina da Igreja está a serviço das mulheres e dos homens à medida que eles usam a consciência na busca pelo amor. A consciência não está a serviço da doutrina moral. Mesmo assim, “nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (Amoris laetitia, n. 37).

Não somos robôs, somos seres de discernimento! Cada católico carrega dentro de si o Espírito da verdade, incluindo a verdade moral. Todos os fiéis têm um instinto para a verdade do Evangelho, o que lhes permite reconhecer a autêntica doutrina e prática cristã e rejeitar a duvidosa.

Cristo cumpre seu ofício profético não só por meio da hierarquia. O alcance da verdade moral na tradição católica envolve um processo de diálogo na Igreja em comunhão com “um espírito de colegialidade” desde “os bispos até ao último dos fiéis”; e quando esse processo for concluído, tanto o bispo quanto todos os fiéis estarão “a sós com Deus, cuja voz ressoa no seu íntimo” (Gaudium et spes, nº 16).

Nenhum católico “deve ser forçado a agir contra a própria consciência. Nem deve ser impedido de atuar segundo ela, sobretudo em matéria religiosa ou moral” (Declaração sobre a Liberdade Religiosa, nº 3).

Mulheres e homens têm “o direito de agir em consciência e em liberdade a fim de tomar pessoalmente decisões morais” (Catecismo, nº1782). A autoridade e a inviolabilidade de uma consciência bem-informada e bem formada é, e sempre foi, a maneira católica para escolher a verdade e o bem.

A missão do magistério da Igreja não pode ser considerada mais como no passado – lembrar as consciências das normas e leis eternas a serem seguidas. O caminho sinodal proporciona uma reciprocidade das consciências.

“Nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções do Magistério. Evidentemente, na Igreja, é necessária uma unidade de doutrina e práxis, mas isto não impede que existam maneiras diferentes de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que decorrem dela. Assim há de acontecer até que o Espírito nos conduza à verdade completa (cf. Jo 16, 13)” (Amoris laetitia nº 3).

O caminho da Igreja é o de Jesus: “o caminho da misericórdia e da integração. (…) Não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero (…). Por isso, temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações. É necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição” (Amoris laetitia nº 296). A misericórdia é o critério pastoral.

“Deus quis ‘deixar o ser humano entregue à sua própria decisão'” (Eclo 15, 14). Sem liberdade não se podem exigir responsabilidades morais, pois “só na liberdade que o homem se pode converter ao bem” (Gaudium et spes, 17). A consciência acolhe e assume o amor como Lei de Cristo (Jo 13, 34).

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE.

Artigo originalmente publicado em: domtotal.com/noticia/1530098/2021/07/a-pessoa-humana-imagem-e-semelhanca-de-deus-e-sua-liberdade-de-consciencia/

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