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A Ressurreição “dá o que falar”

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Alfredo Sampaio Costa SJ

O que dizer da nossa experiência da Ressurreição? Creio que uma primeira palavra seria afirmar que a Ressurreição interessa à vida humana, à vida vivida na alegria e no sofrimento, partilhada na compaixão e na inconformidade, vida doada e perdida; a Ressurreição é o coração da vida, e acontece no coração da vida justamente quando a morte fere mortalmente a vida.

Ressurreição é algo que se recebe como dom, e que se dá na mesma gratuidade como gratidão. Não é conquista, não é mérito, não é direito. É a experiência mais inteira da Graça, da salvação por graça. A Ressurreição se manifesta nas relações humanas que transfiguram o humano. As relações são, portanto, o lugar da possível experiência de ressurreição, lugar de sua antecipação e da sua força de resistência, de insurreição.

A Ressurreição “dá o que pensar”

A experiência da Ressurreição afeta o nosso modo de pensar e interpretar a vida. Ocupados e preocupados e sempre insatisfeitos na busca de dar sentido a tudo, ela ilumina de forma decisiva a existência integrando, interligando, conectando situações, eventos, experiências de vida e de morte, recuperando e recapitulando elementos que estavam perdidos ou foram abandonados ao longo do caminho da vida. Repensar a vida a partir da Ressurreição é perscrutar a dignidade escondida, a vida escondida no sofrimento da vida doada, entregue, por amor. E isso numa atmosfera de gratidão e reverência ao Doador da Vida.

A Ressurreição “dá o que sentir”

Os sentimentos vivenciados a partir da Ressurreição são tão novos e inusitados quanto a própria realidade da Vida Nova nunca antes experimentada. Mas não só isso. A Ressurreição ajuda a elaborar os sentimentos dispersos e conflitantes, sobretudo os sentimentos em que fomos e somos mergulhados pela realidade implacável da morte. Ela nos faz sentir para além do luto que nos encerra em nós mesmos. A ressurreição é uma experiência. A linguagem dos textos bíblicos nos adverte que a experiência dos discípulos de Jesus foi da mais absoluta surpresa: eles não “des-cobriram”, mas se lhes abriram os olhos, em passivo, e eles “sofreram” uma visão, uma experiência.

A Ressurreição “dá o que fazer”

Se a Ressurreição joga luz sobre o vivido anteriormente, igualmente nos faz olhar para o presente com nova atitude. Orienta para práticas novas, que supõem rupturas, alguma forma prática e atual de vida nova. Diante da notícia dada por Pedro, a primeira reação da multidão, que se sentiu responsável pela morte do justo, foi a pergunta: “O que devemos fazer?”  (Atos 2,36-37). A Vida não pode continuar a mesma após a Ressurreição. Somos chamados a viver de um modo novo todas as coisas. Modificar nossas prioridades, ações. Intensificar nossa vontade de viver e trazer vida, empenharmo-nos muito mais na nossa missão.

A Ressurreição “dá o que esperar”

Finalmente, a experiência da Ressurreição nos abre, reforça, ou transfigura os horizontes e caminhos na paisagem de nossa existência humana. A esperança enche de sentido nossa existência, e nos impulsiona para um futuro de realizações e crescimento. Diante das contradições entre presente e futuro, experiência e esperança, a esperança cristã se torna um “esperar contra toda esperança”.

Calvino, com razão denominado “teólogo da esperança” entre os reformadores, exprimiu-o da seguinte maneira:

“A nós é prometida a vida eterna – a nós, os mortos. É-nos anunciada uma bem-aventurada ressurreição – quando já estamos tomados pela corrupção da carne. Somos chamados justos – enquanto estamos oprimidos pela miséria sem fim. É- nos prometida a superabundância de todos os bens – embora sejamos ricos apenas de fome e sede. O que seria de nós se não nos firmássemos na esperança e se nosso sentido não superasse este mundo mediante a Palavra e o Espírito de Deus que ilumina os caminhos através das trevas[1]”.

Que a esperança cristã seja impulsionadora de constância, fortaleza e resiliência nestas águas turbulentas ameaçadoras e que, atravessando todos os entraves do caminho, sigamos confiantes nosso itinerário rumo à Vida que não se apaga nunca!

[1] J. CALVINO, In Omnes Novi Testamenti Epistolas Commentarii, Halle 1834, v. II, 484.

Pe. Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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