Francisco das Chagas de Albuquerque, SJ
Um canto do tempo de Advento, através de seu estribilho, retrata o anúncio da vinda próxima do Filho amado: Isaías, Isaías! Anuncia o Messias e consola o povo meu. Trata-se de uma adaptação de um versículo da profecia de Isaías: “Confortai, confortai o meu povo, diz o Senhor, falai ao coração de Jerusalém” (Is 40,1). O profeta foi enviado a anunciar o Messias. Nas palavras deste versículo salientam-se dois aspectos centrais da vida cristã, que nesses dias são refletidos de modo denso: esperança e consolo. Estas palavras devem ser dirigidas tanto a cristãos como a não cristãos, pois o desígnio do amor divino se destina a todos os seres humanos, mas é claro, respeitando o reconhecimento, a pluralidade de religiões e a liberdade de credo que cada pessoa professa. Esta profecia inspira e comunica esperança e consolo, que se traduzem em solidariedade e proximidade com o semelhante.
A propósito do tema da esperança, ao longo de 2025, os cristãos católicos celebramos o Ano Santo do Jubileu da Esperança com o tema “Peregrinos da esperança”. Foram realizados muitos momentos de reflexão, oração e celebração em torno do tema da esperança como dom que vem do Alto, como diz o apóstolo Paulo: “A esperança não decepciona, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). O peregrino da esperança é alguém em caminho, que está aberto ao futuro e livre de apegos ou da avidez de dominar ou controlar as ações dos outros, ou mesmo de buscar a si próprio por um voluntarismo espiritual ou ainda por demonstração de heroísmo. Ele se deixa mover pela esperança que anuncia e a vive. A esperança é sua âncora, sem, no entanto, ser ingênuo ou idealista. Sobretudo no mundo de hoje, o cristão deve ter uma visão realista de seu contexto, consciente de que o fundamento de sua atitude não está nos meios materiais ou na influência social e política. Esta atitude está calcada sobre a fé e a experiência de descoberta do sentido último da vida pelo encontro com aquele que o profeta anunciou, como salienta a Carta aos Hebreus: “Esta é, para nós, como âncora da alma, fixada com muita firmeza, que penetra para além do véu, ali onde Jesus entrou como precursor em nosso lugar” (Hb 6,19). Tal posição implica colocar-se em outro lugar que não é aquele que predomina na sociedade dos privilégios ou do valer pelo ter, tornando-se uma atitude profética.
Diante dessas referências bíblicas, percebemos a força do anúncio que Isaías faz da chegada dAquele que Deus enviou ao nosso mundo. Ele vem para realizar o desígnio amoroso de Deus de fazer o ser humano partícipe da vida divina, o que já está realizando através de gestos que concretizam o amor. Bem diz o apóstolo: “Pois nós somos salvos, mas o fomos em esperança” (Rm 8,24). Desta forma, a esperança é capaz de mover a pessoa, o peregrino da fé, e todo aquele(a) que crê que o ser humano é um ser de esperança e, por isso, os desafios não o paralisam, mesmo consciente de sua pequenez. Mas ao mesmo tempo sabe que sua força não tem sua origem nele próprio, mas procede dAquele que lhe vem ao encontro.
O segundo aspecto fundamental desta palavra profética, é propriamente o que ela expressa: conforto, consolo. A palavra anunciada pelo profeta, virá a ser a Palavra que se fez carne, que chega como conforto para a alma do peregrino de esperança, especialmente no mundo onde inúmeros fatos e situações contradizem a esperança cristã e sua visão sobre o ser humano. Na verdade, o ser humano tem genuinamente desejo de harmonia, de paz, de vida fraterna e solidária. Neste sentido é muito oportuno o convite do Papa Francisco: “Convido à esperança que ‘nos fala duma realidade que está enraizada no mais profundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos que vive” (Fratelli tutti 55). Em sintonia com este anseio humano, a Palavra anunciada e que se tornou carne e que armou sua tenda entre nós, especialmente reconhecida entre os que a esperam é mais que âncora, torna-se a realização da esperança. O Verbo encarnado reflete a grandeza do amor de Deus que concede ao ser uma dignidade que ele mesmo nunca imaginou que receberia ou que fora criado para tão alta elevação, apesar de sua fragilidade e limitação.
O mandado que Isaías recebeu de profetizar o tempo do consolo, do conforto do amado povo do Criador realiza-se em cada momento da história quando os homens e mulheres são capazes de praticar a solidariedade para com o próximo, de promover a paz, a reconciliação e a justiça nas relações interpessoais e sociais. Particularmente quando se comprometem em compartilhar a vida com aqueles que não têm lugar nesta sociedade, colocando-se a seu lado e os servindo para que se tornem sujeitos de seus direitos e realizem suas potencialidades.
Desta maneira, o anúncio da chegada do Verbo que se encarna no ventre de Maria significa proclamar a esperança e o consolo do “povo meu” que se realiza hoje. Este anúncio autêntico se torna encorajamento mútuo e empenho colaborativo para a estabelecimento de uma ordem mais humana no mundo, torna-se um apelo renovado não só para os(as) batizados, mas também para cada pessoa de boa vontade em nossos dias. A esperança, neste sentido, é força que se renova e se manifesta nas relações interpessoais, entre os distintos segmentos da sociedade e entre os povos. “A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna” (FT 55).
Francisco das Chagas de Albuquerque é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
11/12/25
