Élio Gasda, SJ
O objetivo do capitalismo é dar lucro. Ganhar dinheiro! Nada mais importa: fiat pecuniae et pereat homo!
Mas Bento XVI não pensava assim. O lucro deve ser um meio em vista de um bem maior (Caritas in veritate – CV 47). Porque a pessoa humana em sociedade é a protagonista, o centro e o fim de vida econômica. A finalidade primeira da economia não pode ser aumentar lucros ad infinitum. “Não existe demônio mais violento que a cobiça pelo dinheiro” (São João Crisóstomo).
A economia tem necessidade da ética para o seu correto funcionamento. Mas não de uma ética qualquer: de uma ética amiga da pessoa (CV 45). A economia é uma atividade humana, e deve, portanto, ser eticamente estruturada e institucionalizada (CV 36). “A orientação da economia global deve ser corrigida em termos de fraternidade, comunhão e participação” (CV 42).
A globalização econômica não está sendo acompanhada por uma globalização política eficaz, que subordine os mercados a um conjunto de leis de alcance mundial que evitem que alguns tenham vantagens competitivas às custas da depredação da sociedade e do ecossistema.
A economia não pode ser deixada ao sabor das leis cegas do mercado, sem nenhum controle da parte do Estado. Precisamos da Política. “Existem nações onde a construção ou reconstrução do Estado é um elemento fundamental para seu desenvolvimento” (CV 41).
A lógica do mercado é insuficiente para resolver os problemas econômicos. “A vida econômica necessita do contrato para regular as relações de intercâmbio entre valores equivalentes. Mercado e Estado possuem suas próprias lógicas, mas devem abrir espaços de solidariedade (CV 39).
Para romper a ditadura do lucro imposta pelo mercado financeiro (CV 38), Bento XVI oferece uma proposta a partir dos três sujeitos que atuam na economia: Mercado, Estado, Sociedade civil. É preciso superar a obsoleta dicotomia entre a esfera do econômico e a esfera do social. Uma atividade econômica que não incorpora a dimensão social é eticamente inaceitável. A economia necessita leis justas e formas de redistribuição guiadas pela política, mas também de obras caracterizadas pelo espírito do dom” (CV 37).
A sociedade civil, com sua lógica da gratuidade, também é sujeito da economia. “A caridade na verdade nos coloca perante a experiência da gratuidade (CV 34). A economia pode acolher o princípio da gratuidade, próprio da sociedade civil, para despertar para a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum (CV 36). A lógica da gratuidade, como expressão da fraternidade, deve encontrar lugar dentro da atividade econômica. A gratuidade não elimina o mercado ou o Estado, nem se confunde com eles.
Segundo Bento XVI, são três as lógicas presentes na economia: contrato, lei e dom. A lógica do dom, própria da sociedade civil, não se opõe às lógicas do mercado e do Estado. A economia, ao não renunciar a nenhuma delas, pode converter o lucro em um meio em vista de um fim maior (CV 46-47). De fim último, o lucro se converte em meio de contribuir com o bem comum.
A economia, para ser autenticamente humana, deve abrir-se ao princípio da gratuidade. Nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem encontrar lugar dentro da atividade econômica normal (CV 36).
Já existem iniciativas econômicas que converteram o lucro em um meio em vista de um fim maior (CV 46-47): microcréditos – banco dos pobres (CV 45, 65), cooperativas de consumo (CV 66), fundos de inversão ética (CV 45), empresas de responsabilidade social (CV 40), economia civil – solidaria e de comunhão (CV 46).
Essa economia civil está contribuindo para a recuperação de valores como a confiança e a sociabilidade (CV 40). Mas não basta, “é preciso trabalhar para que toda a economia e as finanças sejam éticas” (CV 45).
Dom, gratuidade, comunhão, solidariedade, fraternidade são bases apontadas por Bento XVI para construir alternativas econômicas mais humanistas. Sem elas não há sociedade e nem economia que se mantenha. Não há futuro para sociedades que destroem o princípio de fraternidade. Nossa vida não pode se resumir a ganhar dinheiro. A economia deve servir para vivermos melhor. Porque não transformar o lucro em instrumento para objetivos mais nobres como combater a fome? Que a lógica do lucro de lugar à lógica do bem comum.
Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE