Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
Capitalismo e Sociedade Contemporânea são dois temas importantes para as discussões em Filosofia Social. Nessas discussões, o pensamento da filósofa norte-americana Nancy Fraser possui destaque por sua abrangência, profundidade e influência. Fraser (1947) trabalha na News School for Social Research em Nova York – EUA, e é professora convidada em várias instituições internacionais. Ela tornou-se mais conhecida por seu trabalho em torno das questões de justiça social e teoria do reconhecimento.
O livro apresentado aqui – Capitalismo canibal – já deixa claro, em seu título, qual será a direção crítica tomada pela autora, a saber, como nosso sistema está devorando a democracia, o cuidado e o planeta e o que podemos fazer a respeito disso. No prefácio intitulado Capitalismo canibal: estamos fritos?, a autora apresenta as dificuldades pelas quais passamos: endividamento devastador, precarização e meios de vida sitiados, declínio dos serviços, dilaceramento das infraestruturas, pandemias morais e eventos climáticos extremos. Tudo isso vivido em meio a disfunções políticas que bloqueiam nossa capacidade de vislumbrar e implementar soluções eficazes e duradouras para esses e outros problemas.
A proposta da autora é apresentar um diagnóstico de nossas sociedades capitalistas contemporâneas utilizado a metáfora do canibalismo onde nós somos o prato principal. O livro quer investigar a atual conjuntura social a partir das suas opressões, contradições e conflitos; e as injustiças sociais que isso gera, seja na exploração de classes, na dominação de gênero e na opressão racial. Daí, por um lado, surgem as crises próprias das sociedades capitalistas: econômica, de cuidado, ecológica e política. Por outro lado, isso tudo estimula as lutas sociais de classes e de fronteiras; e as disputas no âmbito do poder público. Neste cenário, a pergunta que a autora se propõe a responder é instigante: Será que conseguiremos vislumbrar um projeto emancipatório e contra-hegemônico de transformação ecossocial de envergadura e visão suficiente para coordenar as lutas de múltiplos movimentos sociais, partidos políticos, organizações sindicais e outros atores coletivos?
A proposta final do livro, após um percurso muito esclarecedor sobre as sociedades contemporâneas é propor um novo socialismo. Fraser se pergunta sobre o que é o socialismo? Ele pode corrigir os males do capitalismo? Ele pode inventar uma nova ordem social? Ele pode desintitucionalizar as várias tendências de crise, não só econômicas e financeiras, mas também ecológicas, de reprodução social e políticas? Ele pode alargar o horizonte e alcance da democracia? É possível para a Filosofia Social assumir a tarefa de repensar o socialismo para o século vinte e um? A proposta da autora é a de que o socialismo pode ajudar a discutir e propor novas abordagens entre as relações de produção/reprodução, sociedade/natureza e econômico/político. Reinventar e reestabelecer novas formas de cuidado com as pessoas, com a natureza e com a democracia. Pode ser um lugar onde o autogoverno das sociedades seja pautado por decisões democráticas tomadas pelo coletivo com a participação em igualdade de condições. Portanto, nas palavras de Nancy Fraser: “Um socialismo para o nosso tempo deve superar não apenas a exploração do trabalho assalariado pelo capital, mas também seu parasitismo sobre o trabalho do cuidado não remunerado, os poderes públicos e as riquezas expropriadas dos povos sujeitados e racializados e da natureza não humana”.
A autora termina seu texto dizendo que o projeto socialista para o século vinte e um é uma alternativa genuína para viver bem, livres e democraticamente. Ora, na minha opinião, este livro nos ajuda a compreender as dinâmicas do capitalismo atual e de nossa vida social contemporânea. Mas, apesar dos esforços de Nancy Fraser em propor e defender um certo tipo de socialismo, ficamos com a impressão, que já se tornou lugar comum, que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
FRASER, NANCY. Capitalismo canibal: como nosso sistema está devorando a democracia, o cuidado e o planeta e o que podemos fazer a respeito disso. São Paulo: Autonomia Literário, 2024.
Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da FAJE