Pesquisar
Close this search box.

Carta aos Efésios: Vestir-se da nova humanidade (Ef 4,24)

advanced divider

Ir. Zuleica Silvano, fsp

Setembro é dedicado ao estudo da Bíblia, para a tradição católica, e desde o ano de 1971, é escolhido um livro bíblico para ser aprofundado durante este mês. O tema escolhido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e pelas instituições bíblicas brasileiras para 2023 foi a “Carta aos Efésios” (Ef) e o lema: “Vestir-se da nova humanidade” (Ef 4,24). Os motivos para tal escolha partiram do tema central de Ef, a eclesiologia, tendo em vista o Sínodo convocado pelo papa Francisco, para o período de outubro de 2023 a 2024, cuja temática será a sinodalidade e o resgate da importância do batismo, no processo de iniciação na fé cristã, mas também no compromisso de viver como cristão e cristã em comunidade.

A Carta aos Efésios é um dos livros do Novo Testamento pertencente à tradição paulina, mas não está entre os escritos autênticos do Apóstolo, sendo, portanto, uma carta deuteropaulina. Não há consenso quanto à sua datação, a mais provável seria entre os anos 80 e 90 d.C., e, provavelmente, foi escrita para as comunidades dos(as) seguidores(as) de Jesus localizadas na Ásia, ou seja, tem um público mais amplo e heterogêneo do que as comunidades cristãs da Palestina. A Carta estrutura-se em seis capítulos que formam dois grandes blocos. O primeiro contém um conteúdo densamente teológico, sobressaindo os aspectos cristológico e eclesiológico (Ef 1–3), sendo a Igreja o Corpo de Cristo, e Cristo a “cabeça” do corpo eclesial. A segunda parte é parenética e exorta a comunidade, formada pelos(as) batizados(as), tanto os oriundos da cultura judaica como os da gentílica, a manterem a unidade na diversidade; a agirem eticamente, tendo Cristo como o princípio normativo; a comportarem-se como filhos(as) da luz; a revestirem-se da “nova humanidade” em Cristo; a mudarem as relações familiares e sociais; a serem imitadores de Deus, deixando-se guiar pelo Espírito (Ef 4–6). A carta conclui-se com um convite a prepararem-se para um “combate espiritual” contra todas as potências do mal, contra o antirreino.

A Carta aos Efésios destaca-se pela sua densidade teológica, cristológica e pneumatológica e, de forma especial, pela concepção de Igreja (eclesiologia). Para o autor de Ef, Deus, o criador de todas as coisas (visíveis e invisíveis), e seu filho Jesus Cristo, reinam sobre as esferas terrestre e celeste. Nessa visão, o redator desenvolve uma cristologia do senhorio de Jesus Cristo Ressuscitado, aquele que está sentado à direita de Deus (Ef 1,20; 4,8.10), e enfatiza a autoridade cósmica de Cristo. Deus colocou tudo sob seus pés e Cristo enche o cosmo com sua plenitude de vida (Ef 1,22-23).  A cruz é compreendida como um ato de reconciliação entre judeus e gentios, constituindo um só corpo, a Igreja (Ef 2,13.16). O autor emprega o termo “mistério” para designar o segredo de Deus, preestabelecido antes da criação e revelado à humanidade por iniciativa divina, por meio de Jesus Cristo. Esse mistério é desvelado a toda a humanidade, de forma especial aos gentios, integrando-os ao corpo eclesial. Apesar de uma ênfase cristológica, a carta traz vários elementos sobre Deus-Pai e o Espírito Santo, e as funções de cada uma das pessoas divinas no plano salvífico (Ef 1,3-14; 2,18.22; 3,5.16; 4,4.30 e 5,18).

O tema central de Efésios é o eclesiológico. O autor descreve uma Igreja universal, única e personificada. A Igreja é entendida como um ser em Cristo, por isso sua visão universal não consiste na soma de todas as comunidades locais situadas nas mais diversas partes do mundo, mas é universal, dado que todas se fundamentam em Cristo. A Igreja se torna mediadora entre o mundo terrestre e o celeste. Desse modo, tem uma função soteriológica, isto é: baseada nos profetas e apóstolos, ela é o espaço no qual a salvação é oferecida ao mundo. No entanto, o autor de Ef defende a primazia cristológica em relação à eclesiológica. De fato, Cristo reconciliou os dois grupos da humanidade, judeus e gentios, e fez deles um só povo, um só ser humano novo: a Igreja (2,11-22), que tem como fundamento os apóstolos e os profetas (2,20a); porém Cristo é a pedra angular (2,20b).

            A escatologia em Ef, o estudo teológico do pós-morte (tempo futuro), mas também permite ver que o definitivo no evento Cristo (messianismo, morte e ressurreição), está relacionada com a visão de mundo do autor e com a sua cristologia eclesial. Por isso, a ênfase recai na experiência da plenitude da salvação no presente da Igreja. Cristo foi ressuscitado pelo Pai e faz com que a comunidade esteja sentada com Ele nos Céus (2,5-6). Não há tensão escatológica, o futuro somente revelará o que já é uma realidade na vida do(a) batizado(a). Com Cristo e por meio do batismo, tudo já foi realizado. Mesmo com uma escatologia realizada no presente, é necessário se comprometer com o Reino de Deus aqui na terra, mantendo-se no seguimento de Jesus, por meio da comunhão (4,1-16), do empenho em viver como pessoas novas (4,17–5,20), com novas relações familiares (5,21–6,9) e a luta constante contra tudo aquilo que seja contrário ao Reino de Deus, isto é, o pecado (6,10-20). Por isso, o autor dedica a metade da Carta a exortar os cristãos a viverem em paz, na unidade, em comunhão, na vivência do amor fraterno.

Ir. Zuleica Silvano, fsp é professora no departamento de Teologia da FAJE

...