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Catequese nas redes sociais: desafio e oportunidade

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Francisco das Chagas Albuquerque SJ

Neste texto, propõe-se um olhar sobre o que definimos “catequese nas redes sociais”, que constitui, no contexto católico brasileiro atual, uma forma de usar a internet e as redes sociais para veicular conteúdos religiosos, conseguindo a adesão de expressivo número de pessoas. Lembramos, desde já, que não se trata de entrar no mérito das questões teológicas e da linguagem envolvidas nessas práticas midiáticas. Tampouco se trata de emitir juízo de valor a respeito de tal atuação de seus protagonistas, pessoas ou grupos específicos, reconhecidos ou não pela autoridade competente. A abordagem circunscreve-se à observação do fenômeno via testemunho de pessoas participantes com quem temos contato pessoal direto e que também participam de movimentos, pastorais e grupos eclesiais tradicionais. A partir dessa posição, podemos emitir uma opinião sobre o agir pastoral da Igreja diante dessa temática.

Tomamos como exemplo paradigmático, as “quaresmas”, pois as propostas constam de uma série de atividades que se desenvolvem ao longo de 40 dias. São diversos atos religiosos, como orações, jejuns, bençãos. Os encontros acontecem pela madrugada. Os participantes são, geralmente, pessoas adultas, casais ou pessoas singulares. Uma dessas propostas, reunindo vultoso grupo de fiéis, é denominada Quaresma de São Miguel.  A escolha da personagem indica que se vai travar batalha espiritual, por isso, o grupo se reconhece como “exército”, a denominação de caráter militar “Exército de São Miguel”. Na verdade, trata-se de mais uma prática devocional que tenta ir ao encontro dos(as) que, pretensamente, necessitam de um batalhão para ajudá-los a enfrentar os inimigos espirituais.  Os que têm se “inscrito” para integrar essas fileiras são pessoas de diferentes condições sociais, assim como possuidores de níveis de instrução escolar diversificados. A formação dos(as) combatentes, ou a catequese dessas pessoas adultas, se faz mediante a pregação e o exercício de orações, de jejuns, que são orientações com precisão pelos influenciadores. Portanto, propõe-se aos(às) combatentes usar como armas orações, recitação do rosário e exercícios de penitência em determinadas horas da noite, especialmente de madrugada.

A expressão “catequese nas redes sociais”, quer enfatizar o aspecto da transmissão de mensagens doutrinais e orientações de práticas e comportamentos aos “seguidores”, que seguem o roteiro estabelecido pelas pessoas influenciadoras ou animadoras espirituais. Tudo isso, portanto, se enquadra em uma dinâmica de “ensinamentos” que devem ser assimilados e postos em prática. O testemunho de seguidores, chega a chamar a atenção, pois relatam com entusiasmo suas experiências e demonstram espírito de fidelidade ao que receberam de seus guias midiáticos.

Existem estudos importantes que analisam o fenômeno de influenciadores digitais no âmbito do catolicismo no Brasil. Na obra Influenciadores digitais católicos: efeitos e perspectivas (2024), os autores afirmam que tais lideranças, padres ou leigos, até certo ponto “moldam a mentalidade e a vida cristã de seus milhares ou milhões de seguidores”. Em outras palavras, a internet e as redes sociais digitais têm sido utilizados com eficiência nessas atividades religiosas desses influenciadores. Tal constatação convida-nos à reflexão sobre a importância das redes sociais digitais como ambiente para a transmissão de conteúdos catequéticos na ação evangelizadora.

Desde os anos 90, sobretudo, a Igreja reconhece a importância dos meios de comunicação social, especialmente com o avanço da comunicação, graças à internet, e o surgimento das redes sociais, para a ação evangelizadora. “As redes sociais são o fruto da interação humana, mas, por sua vez, dão formas novas às dinâmicas da comunicação que cria relações: por isso uma solícita compreensão por este ambiente é o pré-requisito para uma presença significativa dentro do mesmo” (Bento XVI, 2013). É precisamente essa presença significativa nas redes sociais digitais que o fenômeno em questão comprova.

O que se poderia dizer, em um primeiro momento, sobre a questão posta? Tal fenômeno denuncia, entre outros fatores, os seguintes, que por sinal parecem óbvios, mas a que nem sempre se dá a devida atenção. Trata-se da real insuficiência das estruturas e métodos tracionais utilizados nas práticas eclesiais, utilizados há séculos na ação evangelizadora, quais sejam as pastorais paroquiais, os movimentos que procuram exercer uma formação cristã tanto com crianças e jovens, quanto com pessoas adultas. Tais formas de prática pastoral podem contar com a sustentação institucional de caráter tanto diocesano como de instituições religiosas regulares, masculinas e femininas. No entanto, também conseguindo dar respostas à altura de uma evangelização suficientemente inculturada na era digital que estamos vivendo. Há uma demanda de cunho existencial por parte de muitas pessoas que até frequentam atividades eclesiais e fazem parte de determinadas pastorais e movimentos, que participam de celebrações litúrgicas ou praticam devoções antigas como as “novenas”. No entanto, pelo que se manifesta, elas não encontram respostas para certas necessidades espirituais, que requerem ajuda e acompanhamento pastoral personalizados. Talvez estejam enfrentando situações desafiadoras, difíceis que exigem o auxílio, escuta e até assistência de profissionais de outras aéreas do cuidado humano, enquadrando-se no campo afetivo, psíquico-espiritual e somático. O fato é que motivações religiosas que fazem parte de suas vidas as levam a buscar auxílio nessas ofertas religiosas; anseiam por uma palavra, uma orientação ou acompanhamento espiritual e os tentam encontrar onde consideram mais adequado às suas situações e ritmos de vida pessoal no dia a dia. Por isso, para muitos, o período da noite, de madrugada, é o melhor momento. Diante da ausência de espaço onde possam sentir-se acolhidas, escutadas e ajudadas nas estruturais eclesiais estabelecidas há séculos, as novas propostas ou ofertas de escuta, de orientação ou esclarecimento sobre questões de fé apresentam-se como alternativas, que, como dito no início dessas linhas, são buscadas e têm registrado considerável número de adeptos.

Os influenciadores, pessoas individuais, por iniciativa ou vinculadas a determinados grupos, como as chamadas novas comunidades cristãs, contam com relativo grau de habilidade de comunicação nas redes sociais. É claro que se pautam pela lógica própria do papel de influenciador, questão esta que não abordamos neste texto.  Certos carismas que esses influenciadores(as) possuem, aliados ao treino da arte da comunicação, fazem com que desempenhem um papel catequista ou de “mestre(as)” espirituais. E, diga-se de passagem, a adesão que têm indica que esses fiéis são ajudados em suas buscas. Em certo sentido, aqueles(as) que se encontram sem uma pessoa disponível que lhes seja referência para sua vida cristã, para ter um acompanhamento, auxílio para um discernimento, parecem ter encontrado respostas a seus anseios nessas ofertas de “catequese” disponíveis nos meios digitais.

O Sínodo que ora se conclui, em Roma, propondo à Igreja uma reordenação do modo de realizar sua missão baseado no princípio da sinodalidade, refletiu sobre a missão da Igreja nas redes sociais. Trata-se de se ocupar da “missão digital”. Almejamos que se deem passos, nesse sentido e lancem luzes para a evangelização que deve se concretizar nas igrejas particulares através de suas várias instâncias institucionais a serviço da missão. Caberá às lideranças proporem, em chave sinodal, a adoção de novos métodos de catequese, como dimensão importante da evangelização, usando modernos recursos da tecnologia e instrumentos de comunicação e informação. O competente uso das redes sociais digitais será fundamental para levar a mensagem do Evangelho aos que têm sede de uma palavra de esperança e que traga luzes para suas vidas. Considerando o presente e o futuro da missão evangelizadora, o emprego da mídia moderna com tudo o que hoje existe disponível, e o que virá no futuro próximo, como o maior desenvolvimento da inteligência artificial, constitui um desafio e uma oportunidade para o anúncio da Boa Nova neste mundo que vive uma mudança de época. Estamos diante de um desafio que ao mesmo tempo se torna uma nova oportunidade de aprendizagem para bem realizar a missão evangelizadora.

Enfim, há muito o que conhecer, aprofundar e fazer no incansável serviço do Reino de Deus, para o bem da humanidade, dando atenção particular aos se encontram nas periferias da vida e nos locais periféricos do agir eclesial.

 

Francisco das Chagas de Albuquerque é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

 

Imagem: Shutterstock – Witsaruk Satorn

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