Pesquisar
Close this search box.

Comungar durante a Celebração Eucarística

advanced divider

Washington Paranhos SJ

O título deste artigo pode parecer muito evidente para nós que crescemos na Igreja após a reforma litúrgica do Vaticano II. O mesmo não se refere à preparação necessária para receber o Corpo de Cristo nem ao seu efeito medicinal, pois é alimento para pecadores e não um prêmio para os perfeitos. Simplesmente o título aponta para o ato de receber (normalmente) a comunhão dentro da celebração da missa e não fora dela, como se fosse uma devoção pessoal.

A Eucaristia, ensina Sacrosanctum Concilium é a fonte e o cume de toda a atividade da Igreja (SC, n. 8) onde os fiéis participam da mesma, não como estranhos e mudos espectadores, mas ativa, consciente e piedosamente (SC, n. 48) oferecendo a hóstia imaculada não somente pelas mãos do sacerdote, mas junto com ele (SC, n. 48). A missa nunca é um ato particular, nem do padre nem dos fiéis, mas a celebração de toda a assembleia convocada por Deus, povo sacerdotal. É normal, por isso, que a comunhão sacramental durante a celebração seja a forma mais perfeita de participação do povo de Deus nos mistérios que este celebra (SC, n. 55). Entre a Igreja e a Eucaristia existe uma relação íntima, pois o objetivo último do sacramento não é a conversão do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo (Tomás de Aquino chamava a isto um efeito intermediário), mas a transformação da comunidade naquele que recebemos e na unidade com Deus e entre aqueles que celebramos a missa. Celebrando descobrimos quem somos, por isso os mártires da Abitânia no século IV diziam: sem (comungar) o domingo não podemos viver.

Embora pareça estranho, a prática de se receber “Jesus Eucaristia” (ao menos) uma vez na semana foi se perdendo na Igreja até chegar ao pontificado de Pio X e sua exortação à comunhão frequente, incluindo a das crianças, que marcou um novo começo sobre isso. O texto de um monge beneditino belga no início do século XX, Bernard Botte, pode nos dar uma ideia do contexto litúrgico das nossas comunidades antes do Vaticano II, para ao mesmo tempo agradecer e valorizar melhor a intuição dos padres conciliares e a reforma litúrgica posterior que permitiu recuperar melhor a plenitude do significado deste sacramento:

Nas duas paróquias da minha cidade natal havia missas cantadas, mas eram um diálogo entre o padre e o acólito-organista, as pessoas ficavam mudas e passivas. Quanto à comunhão podia ser recebida antes da missa, depois da missa ou no meio desta. Nunca no momento descrito pela liturgia (quando comungava apenas o padre celebrante). Era uma questão de horário, a eucaristia era distribuía todos os quartos de hora e as missas começam às horas em ponto. Era frequente ver depois dos sinos de um quarto de hora, como um padre que se precipitava sobre o altar e interrompia o celebrante para tirar as hóstias do tabernáculo. O celebrante então podia continuar até que o próprio padre voltasse para colocar as hóstias consagradas no lugar…

A missa tinha deixado de ser a oração da comunidade cristã e o clero estava em seu nome. Por sua vez, os fiéis se associavam de longe enquanto se dedicavam às suas devoções particulares. A comunhão eucarística era uma dessas devoções privadas, sem nenhuma relação com a missa.

Podemos ainda recordar o grande estudioso e historiador da Missa, Jungmann, em seu célebre Missarum Solemnia quando escreve que a comunhão dos fiéis era tratada como uma espécie de “corpo estranho que não pertenceria à estrutura da liturgia do Missal e por isso poderia ser omitida” (JUNGMANN, 2010, p. 802). Todos sabemos que a incursão em uma orientação da Igreja para que se comungue ao menos pela Páscoa da Ressurreição é resposta a uma crise da comunhão sacramental por parte dos fiéis.

Como indica a Instrução Geral ao Missal Romano (IGMR, n. 85) é desejo vivo da Igreja, para melhor significar a participação de todos no sacrifício de Cristo celebrado, que além do sacerdote, os fiéis também recebam o Corpo do Senhor com hóstias consagradas na mesma Missa. Embora não seja uma “obrigação” em sentido estrito e sabendo que nem sempre é possível prever com precisão o número de comungantes, é oportuno cuidar deste particular sinal litúrgico também para evitar a conservação de uma quantidade excessiva de partículas consagrados no tabernáculo.

Concretamente, a Igreja nos ensina que a participação mais perfeita na celebração eucarística é a comunhão sacramental recebida dentro da própria Missa. Isto aparece mais claramente quando os fiéis recebem o Corpo do Senhor no próprio sacrifício, depois da comunhão do sacerdote (cf. SC, n. 55). Por isso, em qualquer celebração eucarística deve consagrar-se, de ordinário, pão recente para a comunhão dos fiéis, e deve-se levar os fiéis a comungar na própria celebração eucarística.

Na celebração da Missa manifestam-se sucessivamente as principais modalidades da presença do Cristo em sua Igreja (SC, n. 7). Em primeiro lugar ele está presente na própria assembleia dos fiéis, reunida em seu nome; depois, na sua palavra, quando se leem na igreja e se explicam as Sagradas Escrituras e, por fim, de modo eminente sob as espécies eucarísticas. De fato, no sacramento da Eucaristia, de modo todo singular, Cristo está presente todo e inteiro, Deus e homem, substancial e permanentemente. Esta presença de Cristo sob as espécies chama-se real não por exclusão, como se as outras não o fossem, mas por excelência.

É oportuno deixar claro que a finalidade primária e primordial de conservar a Eucaristia fora da Missa, desde os primórdios da Igreja, é a administração do Viático; são fins secundários a distribuição da comunhão e a adoração de Nosso Senhor Jesus Cristo presente no Sacramento (cf. EM, n. 49).

A Liturgia tem de ser autêntica, tem de ser significativa. Não pode jamais ser ocasião de desvio de finalidade, de fazer parecer o que não é, nem de não ser o que aparece. Não se convida pessoas para uma Ceia festiva para a elas servir o que remanesceu de uma Ceia anterior. Mesmo que a comida seja a mesma. Guarda-se, sim, o que eventualmente se preparou a mais, mas para servir aos que não puderam participar, seja levando para as casas desses, seja, excepcionalmente, para um Encontro em que não haja quem possa preparar uma refeição nova.

É oportuno lembrar que a Oração do Senhor foi colocada, tradicionalmente, na Igreja Ocidental, no Rito da Comunhão, como preparação para receber a Comunhão. Não sem fundamento. Nela pedimos: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”.  E depois vamos receber e distribuir o de ontem, ou sabe-se lá de quando?

Washington Paranhos SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

...