Alfredo Sampaio Costa SJ
O ponto de vista próprio da Contemplação para alcançar o amor é o da imanência de Deus ao mundo criado como expressão do seu amor beneplácito por nós. Não se trata de um conhecimento de Deus a partir do criado, mas de um conhecimento e encontro com Deus na criação[1]. Ora, Deus ali se revela essencialmente em um ato contínuo de amor com relação ao homem: tudo está repleto da presença e do amor do Criador por sua criatura. E este conhecimento ou tomada de consciência de um amor divino tão concreto, presente, ativo, que preenche tudo, acende no coração do homem o mais autêntico reconhecimento que o destaca de si mesmo e o projeta na direção da adoração do eterno Criador e Senhor, unindo-o ao serviço dinâmico dos seus interesses e da sua glória neste mundo criado para louvar a Deus[2].
Como percebemos essa atuação de Deus na história?
Qual a intensidade dos sentimentos que essa presença ativa do Senhor provoca em nós?
A Contemplação para alcançar o amor é, assim, ao mesmo tempo, uma atenção respeitosa em tocar a presença de Deus em tudo e uma aplicação amorosa de todo o ser em servir à sua divina Majestade, a sua soberana Bondade: é a ação amante e incansável nascida da contemplação continuada de Deus, da presença a Deus presente em nós em tudo.
A experiência de Inácio em Manresa, centrada totalmente sobre a harmonia dos mistérios em Deus, desemboca em uma atitude de apertura apostólica e de um respeito humilde para com as realidades terrestres nas quais o homem descobre logo as marcas vivas do Senhor por todas as partes. À medida em que Inácio se abria à Verdade de Deus, ele aprendia também a respeitar a grandeza do mundo criado, a sua origem em Deus e o seu destino. Como dirá Inácio mesmo, será à luz do Criador, a partir de um amor que vem do alto que ele contemplará toda a realidade animada pelo dinamismo divino de uma criação que se põe a caminho para Deus. Com esta nova luz ele olhará para o mundo, o interpretará, e fará uso das criaturas, como escreverá Inácio em uma de suas cartas: “Que o Senhor nos dê a luz da santa discrição a fim de que saibamos usar das criaturas à luz do Criador”[3].
Esta luz que provém da experiência de Deus criador, princípio e fonte sempre ativa e fim último de toda a criação, revelou e pôs em evidência os dois aspectos principais de todas as coisas criadas, de que se alimenta a contemplação do santo: a sua subsistência em Deus de onde elas adquirem a sua beleza e bondade e o dinamismo precioso da sua ordenação que nos ajuda diretamente a atingir o nosso fim, a louvar Deus em tudo: “Todas as coisas subsistem em uma Bondade que lhes é muito superior, em Deus que as criou”[4].
Este conhecimento do Senhor vivo no seio da sua Criação é o término de um caminho de conhecimento e de contemplação no Cristo, Verbo de Deus encarnado. Para Inácio, o encontro com Deus foi realmente a entrada em Deus, este Deus majestoso e adorável de quem tudo nos vem, até mesmo a existência e a multidão de bens que a acompanham. É por meio da experiência do Cristo da Revelação que Inácio se abre ao ajudar às almas e à toda a Criação a ser venerada porque ali se encontra Aquele que ele busca e que ele ama[5]. Ao final desta experiência, Inácio ama o mundo porque ama Deus e porque o mundo não existe sem Deus; ele o ama na medida em que ali ele contempla a Deus.
Qual o nosso grau de abertura às grandes questões da humanidade, nosso grau de interesse e de comprometimento, desejo de servir e de nos entregarmos à nossa missão no mundo, entendida como participação na Missão de Cristo?
Deus, o doador de todos os bens (EE 234)
“Recordar os benefícios recebidos pela criação, redenção e dons particulares, ponderando com muito afeto quanto Deus N.S. tem feito por mim, quanto me tem dado daquilo que tem. Em consequência, como o mesmo Senhor quer dar-se a mim quanto pode, considerando sua divina ordenação. Daí, refletir em mim mesmo, considerando com muita razão e justiça o que devo oferecer e dar de minha parte a sua Divina Majestade. A saber: todas as minhas coisas e, com elas, a mim mesmo, assim como quem oferece com muito afeto: Tomai, Senhor, e recebei…”
O primeiro ponto da Contemplação para Alcançar o Amor nos coloca na perspectiva correta de gratidão e reconhecimento de onde provém tudo o que somos e temos. É algo que nunca devemos negligenciar. E que nos é recordado no “Tomai, Senhor, e recebei”, ao afirmar: “Tudo o que tenho e possuo, me destes por amor”. No Princípio e Fundamento, falava-se só da criação. Mas quem percorreu todas as semanas dos Exercícios sabe que não somos simplesmente criaturas, mas somos também remidos. Inácio aqui acrescenta então: agradecer pelos dons recebidos da Criação, da Redenção e – acrescenta ele – os dons recebidos – aceno à ação do Espírito Santo em cada um.
Um elemento importante aqui é que esse “trazer à memória” deve ser feito “com muito afeto”. Deus dá e se dá, afirma Inácio. Ao dar, Ele entrega a si mesmo a nós! Pois não poderia fazer de outra maneira, já que Deus é Amor e o Amor é efusivo, transbordante!
Deus é e está na realidade habitando nela (EE 235)
“Olhar como Deus habita nas criaturas: nos elementos dando o ser; nas plantas, a vida vegetativa; nos animais, a vida sensitiva; nas pessoas, a vida intelectiva. Do mesmo modo, em mim, dando-me o ser, o viver, o sentir e o entender. E também fazendo de mim o seu templo, criado à semelhança e imagem de sua divina Majestade. Também refletir em mim mesmo, como ficou dito no primeiro ponto ou sentir melhor”.
Santo Inácio é extraordinariamente sensível à presença divina. Em todas as meditações quer que o exercitante tome consciência de estar na presença de Deus; a composição de lugar é frequentemente uma visualização imaginária da presença divina. Quer que o exercitante tome consciência de que Deus o abarca por todas as partes, pela frente, por cima, desde dentro (interiormente) e desde fora. Sente-se debaixo de Jesus Cristo, “como à sua sombra” ou o vê à frente, “como guia” (Diário Espiritual n.101).
Presença dinâmica e progressiva
O segundo ponto da Contemplação para Alcançar o Amor: “Olhar como Deus habita nas criaturas, em mim, dando-me ser, fazendo-me entender, fazendo de mim seu templo, eu sendo criado à sua imagem e semelhança…” recolhe os termos essenciais do modo inaciano de apresentar a Encarnação e o seguimento de Cristo próprios da Segunda Semana dos Exercícios.
Vários dos termos presentes neste segundo ponto nos recordam a dinâmica da contemplação da Encarnação (EE 101-109), chave de leitura de toda a segunda semana, onde o exercitante é chamado a conhecer e a seguir este Verbo feito carne que se faz homem por amor.
Inácio considera a presença divina, seguindo a Santo Tomás (Suma Teológica I q.8, a. 1-4), partindo da atividade criadora e conservadora de Deus, e porque atribui a Jesus Cristo a criação e conservação do mundo, por isso também o encontra presente “nos elementos dando o ser, nas plantas vegetando, nos animais a vida sensitiva e no homem, a vida intelectiva”.
Santo Inácio contempla a plenitude da ação de Deus, em Jesus. Jesus Cristo como “Criador e Senhor”, como Conservador e Providente, habita ou está presente nas criaturas de maneira gradual e progressiva, a cujos diversos graus de presença correspondem diversos graus de ação – causalidade, de providência – finalidade, de predileção e comunhão.
Na contemplação dos mistérios da vida de Jesus, Inácio quer que eu me faça presente à cena. Pôr-se na presença de Jesus Cristo só é possível porque Jesus Cristo está em todas as partes e presente a todo momento. Deus, em Jesus Cristo, alcançou a mais alta forma de presença e comunhão com os homens. Podemos encontrá-lo no presépio ou na cruz, apontá-lo com o dedo; sua presença se fez história e se localizou em uma parte do mundo. Sua vida temporal, seu existir durante um tempo, leva à plenitude a existência de todas as coisas em todos os tempos. Na sua presença, a presença de Deus se encarna, se visualiza, se faz contemporânea com um fragmento da história[6].
Em 1545 Inácio escreve a São Francisco de Borja: “Sentir como todo nosso bem eterno esteja nas coisas criadas, dando a todas o ser, e conservando nele, com infinito amor e presença. Aos que inteiramente amam ao Senhor todas as coisas lhes ajudam para mais merecer e para mais chegar a unir-se com seu Criador e Senhor” (MI, Epp. I, 338).
Aqui se trata de tomar consciência da presença, da inabitação de Deus nos seus dons: Deus está presente a mim através de todos os seres que me circundam; está presente em mim em muitos modos e particularmente fazendo-me participar da sua própria vida[7].
Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faje
[1] Cf. Gilles Cusson, Pédagogie de l’Expérience Spirituelle Personnelle. Montréal/Paris 1968, 377.
[2] Gilles Cusson, Pédagogie de l’Expérience Spirituelle Personnelle. Montréal/Paris 1968, 378.
[3] MI, Epp. XI, 375.
[4] MI, Epp. V, 488.
[5] Cf. MI, Epp. I, 339-340.
[6] Cf. Juan Manuel García de Alba, La contemplación para alcanzar Amor a Jesús…, 157.
[7] Cf. Jean Clemence, Rythme et structure du progrès spiritual, CIS, Roma 1982, 128