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Consciência negra: impossível ser racista e ser cristão

Élio Gasda SJ

“Racismo é burrice coletiva sem explicação” (Gabriel o Pensador).

20 de novembro é celebrado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. A data faz memória de Zumbi dos Palmares, líder negro quilombola assassinado nessa mesma data, em 1695.

Nenhuma pessoa humana deveria ser discriminada com base na raça, cor, origem, etnia. O dia evidencia as lutas por direitos e denuncia a desigualdade, a violência, o preconceito e o racismo. “Estes brasileiros de origem africana, merecem, tem direito e podem, com razão pedir e esperar o máximo de respeito aos traços fundamentais da sua cultura” (João Paulo II, em visita ao Brasil, 1997).

Racismo existe! Mesmo após a abolição, os negros nunca receberam as condições necessárias para uma vida digna. Não tiveram acesso à terra, não ganharam escola, não foram indenizados. Nem trabalho digno lhes foi dado. Casa Grande e Senzala apenas se modernizaram.

Para desmontar as estruturas que sustentam a discriminação racial, a desigualdade, a pobreza e a violência é preciso entender como o racismo opera. O racismo não se manifesta apenas em atos isolados de discriminação racial.

O racismo está na cultura, nas igrejas, na escola, no comércio, na rua. Estudo do IBGE, de 2021, Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, aponta a falta de oportunidades e a urgência de políticas públicas no regaste da dignidade e direitos do povo negro. A proporção de pessoas pobres em 2021, era de 18,6% entre brancos e praticamente o dobro entre os pretos, 34,5%, entre os pardos foi de 38,4%. A taxa de desemprego entre brancos chegou a 11,3%, entre os pretos foi de 16,5% e 16,2% entre pardos. A informalidade atinge 32,7% os brancos, 43,4% os negros e 47,7% os pardos.

Essa desigualdade vem representada com maior força na questão do rendimento médio entre trabalhadores: salário de brancos R$.3.099, pretos R$1.764,00 e pardos R$1.814,00. Resultado? Restrição alimentar. A cada 10 lares chefiados por pessoas negras, 6 têm algum tipo de limitação ao acesso alimentar (Rede PENSSAN/2022).

A violência racial é uma das características imutáveis da sociedade. O Brasil é um dos países que mais mata, mas não mata aleatoriamente. A violência tem corte racial. A chance de uma pessoa negra ser assassinada é muito maior que a de um branco. 72% dos homicídios na última década foram de negros. Em 2020, foram 49,9 mil homicídios, 23,6 mortes por 100 mil habitantes. Entre brancos a taxa foi de 11,5 mortes, entre pardos 34,1 e de 21,9 entre pretos. A letalidade policial sobre a população negra evidencia o racismo de Estado. Como explicar a não-responsabilização nesses homicídios? Quando a sociedade irá começar a superar o silêncio e a negação desse racismo assassino?

O Estado tem uma dívida imensa com o povo negro. Não basta criar leis e criminalizar o racismo. É necessário combater o racismo estrutural que alicerça as relações políticas, econômicas e sociais, onde se moldam instituições que fazem a sociedade aceitar como natural o tratamento diferenciado entre brancos e negros. O processo de concentração de riqueza e a escandalosa desigualdade social possuem profundas causas raciais.

Sociedades racistas não são democráticas. A democracia só é plena quando prevalece a igualdade de direitos entre as pessoas, independente da raça, cor, etnia ou religião. Um país somente é digno da alcunha de “democracia” após a superação do racismo. Democracia e racismo são inconciliáveis.

Ser democrata é ser antirracista. Mas parece que vivemos um racismo sem racistas. “Todo mundo sabe que existe racismo, mas ninguém acha que é racista” (Djamila Ribeiro). O racismo precisa ser combatido a partir do seu reconhecimento.

A sociedade civil e os governos federal, estadual e municipal, devem fazer um diagnóstico das lacunas e apresentar políticas públicas que possam mitigar o racismo. Garantir representatividade de raças e etnias em órgãos públicos. Promover, de maneira igualitária, o atendimento das necessidades de todos. Criar uma educação de formação e informação com foco na redução de preconceitos.

Ninguém pode “fechar os olhos ao racismo e à exclusão” (Papa Francisco). Para o cristão, a superação do racismo é uma exigência da fé. O racismo é um pecado contra Deus que divide a família humana criada à Sua imagem e Semelhança. A ideologia da supremacia branca nega a dignidade de cada ser humano revelado em Jesus Cristo.

Igrejas cristãs precisam ser mais corajosas e mais ativas no combate ao racismo. Caso contrário, continuarão irrelevantes no combate às discriminações, traindo a memória de Jesus de Nazaré. Você é racista ou é cristão?

“Nos envergonham as expressões de racismo, demonstrando que os supostos avanços da sociedade não são assim tão reais nem estão garantidos duma vez por todas” (Fratelli tutti, 21).

Foto: IStock/@innovatedcaptures

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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