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Direita e esquerda: de que lado está Jesus de Nazaré?

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Pe. Jaldemir Vitório SJ

A polarização direita x esquerda tem se acentuado muitíssimo nos últimos tempos. De origem político-ideológica, contaminou o tecido social, lançando seus tentáculos no âmbito das famílias, das amizades, dos ambientes de trabalho e de convivência e, como era de se esperar, no âmbito da religião e das Igrejas. Há “cristãos” que passaram de adversários a inimigos dos irmãos e irmãs de fé, na guerra de ideias. Adversário significa estar no lado contrário, na posição oposta. Se os adversários são civilizados, serão capazes de confrontar seus pontos de vista, com diálogo e respeito, de modo a crescerem na consciência em torno do tópico em litígio, alargarem os horizontes e, até mesmo, mudarem de opinião, contudo, sem passar para o lado contrário. Já o inimigo parte da rejeição do outro e da exclusão de qualquer possibilidade de entendimento. O inimigo é sempre hostil e se recusa a buscar caminhos de conciliação. Inimigo significa “aquele que não é amigo”. Portanto, enquanto alguém se comporta como inimigo, lhe fica vedada qualquer possibilidade de crescer junto com os demais.

Pois é, muitos que se dizem cristãos, levados pelo vendaval da intolerância político-ideológica, acabaram por se tornar inimigos, sem mesmo conhecer os reais fundamentos de sua atitude. Um caso exemplar, que me causa espanto, consiste em ver católicos odiarem o Papa Francisco, o caluniarem, até mesmo, desejando-lhe a morte, numa hostilidade louca, sem se darem ao trabalho de confrontar com o Evangelho os ensinamentos e o testemunho de vida do Papa. Que possam, em alguns momentos, não estarem totalmente de acordo com suas falas e tomadas de posição, é uma coisa. Tratá-lo como se fosse um inimigo perigoso, é outra coisa bem diferente. Quiçá nem tenham argumentos razoáveis para abominar o Papa e sejam instigados por mentes perversas, alimentadas por informações tendenciosas.  Infelizmente, esse é mais um fruto diabólico do antagonismo direita x esquerda em nossa Igreja.

As mídias têm exercido um papel indiscutível na criação desse clima de discórdia no universo cristão. A falta de discernimento da realidade com critérios evangélicos produz cristãos e cristãs que assumem posturas sectárias, sem nenhuma ponderação, mesmo na contramão dos ensinamentos de Jesus de Nazaré, influenciados pelo fluxo interminável de compartilhamentos nas redes sociais. Como conciliar a fé com o ódio e a inimizade? Como conciliar o compromisso com o Reino de Deus e a militância intransigente por bandeiras que promovem a violência, o fanatismo e a divisão? Como conciliar a declaração de estar do lado de Jesus, mas, na prática, caminhar na contramão do que o Mestre ensinou?

Jesus de Nazaré formulou, com precisão, o ponto de partida para quem optou, de coração, se fazer discípulo dele: “busque, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça, e tudo mais lhe será dado em acréscimo!” (Mt 6,33). Os discípulos e as discípulas podem divergir quanto à melhor maneira de buscar o Reino de Deus, às opções a serem feitas nas distintas circunstâncias e contextos, às formas de se organizarem e se articularem, às metas a serem alcançadas. Porém, jamais poderão tratar uns aos outros como inimigos e caírem na tentação de se eliminarem mutuamente. O foco no Reino de Deus, para onde todos devem convergir, funciona como barreira de proteção contra o perigo de se esquecerem que são irmãos e irmãs.

Um texto evangélico pode nos ajudar a refletir sobre o choque direita x esquerda e a responder a questão: de que lado está Jesus de Nazaré? Trata-se da cena do juízo final, narrada em Mt 25,31-46. O Filho do Homem, maneira como Jesus se refere a si mesmo nos evangelhos, se sentará num trono glorioso, reunirá toda a humanidade diante de si e a dividirá em duas partes, colocando-as à sua direita e à sua esquerda. A seguir, fará um discurso cheio de autoridade.

Dirigindo-se aos da direita, os convidará a entrar no Reino que Deus preparou para eles, desde o começo do mundo. O motivo será a prática da misericórdia, em favor dos deserdados, carentes de cuidado e de proteção: os famintos, os sedentos, os desabrigados, os desnudos, os doentes e os prisioneiros. Quem teve compaixão deles e os socorreu, em última análise, se solidarizou com o Filho do Homem, transformado, agora, em juiz da humanidade. “Cada vez que vocês fizeram isso a um desses meus irmãos mais pequeninos, você fizeram a mim!”. Esse modo de proceder fez deles os “benditos do meu Pai!”.

Dirigindo-se, então, aos da esquerda, chamando-os de “malditos”, os mandará apartar-se dele e se encaminharem para o reino destinado ao diabo e a seus anjos. A razão foi terem passado pela vida sem se deixarem afetar pelos famintos, sedentos, desabrigados, desnudos, doentes e prisioneiros. Viveram para si e seus ideais egoístas. Com isso, foram insensíveis ao Filho do Homem que se identifica com a humanidade sofredora, à espera de misericórdia e de atenção.

Quando um cristão ou uma cristã pensa em direita e esquerda, tem a obrigação de considerar o critério estabelecido por Jesus e rejeitar as radicalizações ideológicas. Estará, para sempre, ao lado dele, quem escolhe a misericórdia, a compaixão, o cuidado do semelhante, a defesa e a promoção dos deserdados como pauta de vida. Será inimigo de Jesus e se colocará no lado oposto ao dele quem se envereda pelo caminho do egoísmo, da indiferença, do abuso, da eliminação e do aviltamento do próximo, mormente, os mais fragilizados.

Com essa medida, os cristãos e as cristãs de verdade poderão se posicionar em face da rivalidade direita x esquerda, e responder de que lado está Jesus de Nazaré. Na verdade, ele não está em nenhum dos dois lados como são apresentados em nossa sociedade cindida pelas ideologias. Santa Dulce dos Pobres, em total sintonia com o Mestre e com o Evangelho, formulou a resposta cristã: “meu partido é a pobreza; a minha política é a do amor ao próximo!”. Jesus está com quem luta para criar um mundo com mais amor e justiça, com os defensores dos direitos dos excluídos e dos marginalizados, com os construtores da paz e da reconciliação, com quem segue na contramão da cultura da indiferença desumanizadora, do narcisismo egoísta e do consumismo cínico, enfim, com os cuidadores da Casa Comum e os preocupados com a sustentabilidade do nosso planeta. Quem defende tais bandeiras, com certeza, faz companhia ao Jesus narrado nos evangelhos. Os demais correm o risco de, no final da vida, ouvirem as terríveis palavras de Mt 25,41-43. Os cristãos e as cristãs incautos deveriam lê-las e se deixarem tocar por elas!

 Pe. Jaldemir Vitório SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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