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“E o ingrediente secreto é… nada!”

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Luiz Sureki, SJ

Pouca coisa desperta tanto a atenção e o interesse das pessoas do que obter algo tido por secreto. Grande parte do sucesso comercial nas redes sociais gira em torno da promessa de acesso a um segredo. Alguém se apresenta como um profissional ou especialista e anuncia uma descoberta revolucionária, um segredo muito valioso, um ingrediente secreto, miraculoso, que rápida, eficaz e definitivamente resolverá um problema.

Há ingredientes secretos sendo oferecidos para quase todo tipo de problemas. Como a gama de problemas é vasta, os interessados em adquirir tais ingredientes são muitos. Eles serão convidados a “assistir o vídeo até o final”, pois o assistir o vídeo já é parte igualmente lucrativa do negócio. Nenhum segredo será revelado no primeiro minuto do anúncio! Muitas das vezes, ao final, o interessado será convidado a entrar em outra página, acessar um outro link, mais exclusivo. O próximo passo exigirá o cartão de crédito; um bom desconto será dado se o pagamento for efetuado “agora mesmo”! O fator tempo desempenha aqui uma função psicológica muito importante, quer porque se diz que o vídeo pode sair do ar a qualquer momento por alguma suposta intervenção do ministério da saúde (por exemplo), quer porque se diz que o estoque das “poções miraculosas” já está quase no fim!

Para além das receitas culinárias, o “ingrediente secreto” se tornou parte de uma infinidade de “receitas” referentes aos mais diversos âmbitos da vida. Há ingredientes secretos para tudo: para alcançar fama, para fazer fortuna, para influenciar pessoas, para dominar tecnologias bem pouco acessíveis ao público em geral, para se comunicar em um ou mais idiomas estrangeiros em poucas horas, para passar no concurso dos sonhos, para ser irresistivelmente atraente, sedutor/a, para atrair boas energias astrais, para ganhar na loteria, para dormir bem, para perder peso rapidamente e sem restrições alimentares, para se livrar definitivamente das rugas do rosto, das dores nas costas, do diabetes, e por aí se vai! No mundo religioso não é diferente! Inúmeros “ingredientes secretos” são oferecidos para todos os gostos e necessidades. A eficácia deles é exponencialmente acrescida pelo suposto poder místico, angélico, celestial, divino. Desde toda sorte de amuletos até as mais estranhas fórmulas para orações e pactos espirituais circulam cotidianamente no grande mercado esotérico das redes sociais (Tik Tok, Kwai etc.).

A maioria dos consumidores dos ingredientes secretos não percebe que o segredo não diz respeito ao produto propriamente dito. A arte do vendedor consiste em levar as pessoas – ingênuas ou supersticiosas – a acreditar no segredo. Seduzida com a promessa do extraordinário que haverá de acontecer em sua vida, em seu corpo, em sua profissão, em suas relações afetivas e intersubjetivas etc., a pessoa pensa que o acesso e aquisição do “segredo” é algo exclusivo para ela, um privilégio, uma espécie de “presente dos deuses”.

Mas, e se não houvesse ingrediente secreto?

“O ingrediente secreto é … nada”! Esta foi a frase que Ping, o ganso, o dono do restaurante de macarrão, o “pai” do urso Po lhe disse. O filme “Kung Fu Panda” foi produzido pela DreamWorks Animation e conta a história de Po, um urso panda abandonado na infância, criado pelo ganso Ping, gordo, desajeitado, comilão, brincalhão, amável, ingênuo, que sonhava se tornar um dia alguém importante, um defensor dos fracos e oprimidos, um mestre do Kung Fu. Lendas, profecias e expectativas haviam surgido em torno do máximo representante do Kung Fu: o “Dragão Guerreiro”. Quando, numa cena totalmente inusitada, Po é escolhido pelo Mestre Oogway, a sábia tartaruga, como o “Dragão Guerreiro”, absolutamente ninguém, a começar pelo próprio Po, poderia acreditar naquilo. Como comprovar sua identidade, a veracidade da lenda, o cumprimento da profecia?

Havia para tanto uma espécie de pergaminho a ser aberto pelo “escolhido”. Tal ato deveria revelar e confirmar a verdadeira identidade do “Dragão Guerreiro”. Abrindo aquele pergaminho, o que Po vê nele é somente o reflexo de sua própria imagem! Enigma algum havia para ser decifrado, fórmula alguma para ser proferida, mapa algum para ser seguido, símbolo algum para ser adotado ou interpretado. Só havia a imagem de quem nele procurava encontrar alguma coisa. A conclusão daquela cena parecia ser a mais pura constatação do óbvio: Po não podia ser o “Dragão Guerreiro”!

Frustrado, decepcionado, desacreditado, Po desiste de seus sonhos relativos ao kung fu e retorna para casa, para o restaurante de macarrão de seu “pai”, o ganso Ping. Tentando animá-lo, Ping decide lhe contar qual era o ingrediente secreto da sua tão famosa sopa de macarrão.

Ele diz:

– “O ingrediente secreto é… nada!”.

E acrescenta em seguida:

– “É isso mesmo Po, não existe ingrediente secreto!”

Po, um tanto confuso, pergunta com sua costumeira irreverência:

– “Espere aí, é só uma sopa de macarrão? Você não coloca nenhum molho especial ou algo assim?”.

Ping responde:

– “Não precisa. Para fazer algo especial, basta acreditar que é especial.”

Foi neste momento que Po compreendeu que nada havia de mágico a ser buscado, revelado, lido ou encontrado, que nada havia a ser acrescentado ao que ele era. O ingrediente secreto não era algo externo e estranho, sobrenatural e fantástico a ser acrescentado à “receita da sua própria vida”. O que fazia ou poderia fazer dele alguém tão especial quanto de especial se dizia do “dragão guerreiro” estava nele mesmo, assim como era o caso da tão especial sopa de macarrão.

Po só viu no pergaminho o que ele precisava ver: ele mesmo e um pergaminho! A grande questão agora era livrar-se das superstições, dos amuletos, das poções mágicas, das soluções miraculosas, das projeções dos outros sobre ele, das figuras um tanto fantasiosas em torno do “dragão guerreiro”; enfim, precisava acreditar em si mesmo.

O ingrediente secreto da vida está na própria vida, no como ela é decidida e corajosamente vivida! O traço marcante da personalidade do “dragão guerreiro” devia estar na consciência de quem ele era e do que potencialmente poderia vir a ser, sem adendos mágicos, sem amuletos, sem superstições! Quando o ingrediente secreto desaparece, quando a poção mágica não funciona, quando o feitiço não pega, quando a amuleto não protege, quando a fórmula da oração não tem efeito, quando a fantasia do amor erotizado termina, quando a imagem do homem santo se despedaça, quando o milagre não acontece…, então é chegada para nós a hora de sabidamente pararmos de correr atrás de “ingredientes secretos” e de encararmos, no espelho da vida, o “dragão guerreiro” que podemos ser.

“Se você quiser minha opinião final sobre o mistério da vida e tudo isso, posso resumi-la em poucas palavras. O universo é como um cofre para o qual existe uma combinação. Mas essa combinação está trancada dentro do cofre.” (Peter De Vries).

 

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

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