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Economia de Francisco: olhar o mundo a partir dos pobres

Élio Gasda SJ

“Este sistema, com a sua lógica implacável de lucro, está fugindo de qualquer controle humano. É tempo de pôr freios à essa locomotiva fora de controle que nos está conduzindo rumo ao abismo” (Papa Francisco).

A dignidade humana e o futuro da civilização estão associados à economia. Contudo, lucro e poder são a alma de uma economia que concentra 50% de toda riqueza produzida no mundo nas mãos de 1% dos mais ricos do planeta. Essa concentração de riqueza se torna violenta contra os pobres e destruidora da natureza. 26,4% da população mundial passa fome.  “A raiz de todo mal está no amor ao dinheiro” (1Tm 6,10).

É preciso democratizar a economia e colocá-la a serviço dos pobres. O caminho é fortalecer as discussões em torno do trabalho decente, renda básica e economia solidária. Derrubar o discurso neoliberal que determina a economia a partir do mercado. Reconstruir projetos econômicos que tenham como base a força das comunidades periféricas, dos povos originários, do Movimento dos Sem-terra, das organizações de mulheres e jovens. Um projeto baseado no bem comum partilhado equitativa e solidariamente, baseado na oralidade e ancestralidade, na igualdade de gênero e raça e na agroecologia.

Essa reorganização popular é a base da proposta Economia de Francisco, um pacto com os jovens para que, juntos, escrevam uma nova teoria econômica. Uma economia mais humana, justa, sustentável, que tenha na sua centralidade as populações excluídas. O projeto iniciado em 2019, reuniu, de 22 a 24 de setembro de 2022, em Assis, jovens economistas, empresários, transformadores de diversas nacionalidades e crenças.

O evento produziu o documento Eonomyoffrancesco, assinado pelo Papa Francisco e uma representante dos jovens. Não se trata de uma proposta única para o mundo, mas processos a partir das experiências territoriais. Cada jovem se comprometeu a trabalhar por uma Economia do Evangelho. Assim, perseguem o objetivo de oposição as armas, as guerras e conflitos, a miséria em todas as suas formas.

A meta é criar uma economia inspirada pela ética, que preserve as culturas e tradições dos povos, que cuida da criação e dos bens comuns. Ninguém pode ficar para trás.

“Transformar uma economia que mata em uma economia da vida”. Contudo, “para viver nesse caminho, é preciso coragem e, algumas vezes, é preciso um pouquinho de heroísmo” alertou Francisco aos Jovens.

“Vocês são chamados a se tornar artesãos e construtores da casa comum, uma casa comum que está “ficando em ruínas […] a terra está queimando hoje, e hoje que devemos mudar, em todos os níveis” ressaltou Francisco. Os jovens não devem esperar pela próxima cúpula internacional para colocar em discussão o modelo de desenvolvimento. Criar modelos a partir da sustentabilidade ambiental, social, relacional e espiritual.

É preciso criatividade, otimismo e coragem para arriscar e realizar a reforma da casa. Não basta uma nova pintura, é preciso mudar a estrutura. Essa nova estrutura deve ter no seu cerne os pobres. “A partir deles, olhar para a economia, a partir deles, olhar para o mundo. Sem a estima, o cuidado, o amor pelos pobres, por cada pessoa pobre, por cada pessoa frágil e vulnerável, desde o concebido no útero materno à pessoa doente e com deficiência, ao idoso em dificuldade, não existe “Economia de Francisco” (Papa Francisco).

Mas como criar riqueza sem desprezar os pobres? Francisco indica alguns percursos:

“[…] olhar o mundo com os olhos dos mais pobres. O movimento franciscano soube inventar na Idade Média as primeiras teorias econômicas e até os primeiros bancos solidários (Monti di Pietà), porque olhava o mundo com os olhos dos mais pobres. Vocês também melhorarão a economia se olharem as coisas a partir da perspectiva das vítimas e dos descartados. Mas, para ter os olhos dos pobres e das vítimas, é preciso conhecê-los, é preciso ser amigo deles”.

“[…] não se esqueçam do trabalho e dos trabalhadores. O trabalho é o desafio do nosso tempo e será o maior desafio de amanhã. Sem trabalho digno e bem remunerado, os jovens não se tornam verdadeiramente adultos, as desigualdades aumentam. Às vezes, pode-se sobreviver sem trabalho, mas não se vive bem. Ao criarem bens e serviços, não se esqueçam de criar trabalho, um bom trabalho para todos.

Terceira indicação: encarnação. Nos momentos cruciais da história, quem soube deixar boa impressão traduziu os ideais, os desejos e os valores em ações concretas. Ou seja, encarnou-os. Além de escrever e fazer congressos, esses homens e mulheres deram origem a escolas e universidades, bancos e sindicatos, cooperativas e instituições. Vocês mudarão o mundo da economia se, junto com o coração e a cabeça, também usarem as mãos”.

Economia a serviço da vida e do cuidado da casa comum, esse é o horizonte para um mundo devastado pelo capitalismo.

 

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

 

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