Washington Paranhos, SJ
O testemunho não é um simples passa-Palavra (boca a boca), mas é um passa-Vida. É um magnetizado-magnetizante (fascinado-fascinante). Se magnetizado (fascinado) pela vida é um virado-em direção a, é um voltado ao Rosto do Ressuscitado. Ele é um especialista em conversão (conversão: voltar-se em direção a… com todas as suas forças). E é permanentemente. Se magnetizado, é um encaminhado, um atraído, mas também um especialista em dinamismo. Seu símbolo não é uma cadeira de descanso, mas um bastão de peregrino, não é uma sala de estar, mas um caminho.
A conversão é mudança de direção, mas é também um movimento de revolução, como o da terra (movimento de rotação), para fazer-se beijar e envolver pelo sol. É Páscoa aplicada ao homem.
O homem desfigurado chamado à transfiguração
O ser humano, marcado pelo mal, cruza com Deus à espreita a cada esquina do dia, como momento oportuno. E assim, o humano desfigurado é chamado a ser o humano transfigurado.
Ao grito do Pai, o humano se volta. Voltar-se-todo em direção a luz do Rosto, é – como a própria palavra latina indica – converter-se.
Não se voltar é revoltar-se. A revolta é dizer: não. E como Ele é a única salvação, o permanecer indiferente diante d’Ele já é inicialmente dizer “não”.
O ser humano de nosso tempo registra na audição da alma um notável grau de surdez à voz. Ora, se não ouve a Voz, não pode voltar-se e converter-se. A conversão, portanto, exige sobretudo a atitude de escuta.
A escuta, por sua vez, pressupõe atitudes de humildade e honestidade. Humildade porque implica reconhecer o outro (que fala) no seu-ser-outro em relação a mim. E honestidade é, antes de tudo, libertação do preconceito. O preconceito absorve e tira a capacidade de acolher o chamado do amor.
A honestidade, então, proativamente, é adesão à verdade do homem, custe o que custar. Pois a verdade do homem é seu ser-húmus, sua miséria, sua finitude e, apesar disso, ser-amado, ser-digno do amor divino.
Ser honesto é ser humano verdadeiro, humano puro, humano forte, humano quente. Autenticidade de espírito, clareza de intenções, fortaleza, calor de coração. Um ser humano partido ao meio, um humano luminoso, um humano sem espinha dorsal, um humano-pedra, não é humano. E não tem, portanto, os pré-requisitos para voltar-se ao Rosto, ou seja, não tem as condições essenciais para converter-se.
Converter-se é voltar-se para o rosto e envolver-se na luz e desfrutar da vida como banquete de alegria: olhar para Ele é ser olhado por Ele. Fazer-se fixar d’Ele. E, assim, fixar em nós a sua figura. Este é o início da conformidade ou tornar-se christiformes, como diziam os Padres gregos. Olhar para o ícone perfeito do Pai, que é o Cristo, é reconstruir-se lentamente, mas decisivamente, como homens feitos à imagem de Deus.
Agora, essa operação desencadeia um processo contínuo de deslocamento de eixo, de passagem de… a….
É converter-se:
- da estaticidade preguiçosa… ao dinamismo zeloso;
- do egoísmo… ao altruísmo.
Uma dinâmica pascal
Essa dinâmica é uma Páscoa – passagem – que deve encarnar-se mesmo nos pequeninos gestos do cotidiano:
- Oferecer um sorriso, quando não se tem vontade;
- cumprimentar por primeiro, mesmo sendo um estranho;
- dar lugar a um apressado;
- realizar gestos de gentileza mesmo com um grosseiro.
E tudo isso realizando com amor de quem sabe:
- que não é o que se faz, mas como se faz, que é válido e que permanece;
- que a preciosidade do instante, que não mais volta, deve tornar o homem vigilante e vivo na monotonia da vida cotidiana. O heroísmo é de um momento. A virtude é de todos os instantes.
Essa passagem é operada por duas alavancas, ambas dadas por Deus. Em primeiro lugar, a alavanca da graça, que impele, e depois a fé, que responde.
A graça é o dom da presença do Emmanuel: Eu-sou-contigo. Eu-sou-para-você.
A fé é a libertação da idolatria e a percepção de Deus como terror em vez de amor, como pesadelo em vez de libertação, como vingativo em vez de criativo. Afinal, converter-se é passar com todas as consequências, de uma visão de Deus-terror para uma experiência humana de Deus-amor.
A experiência do amor é o impulso para nos transformarmos em operadores do amor, graças ao fato fundamental que a Bíblia propõe, de que somos suas imagens vivas, reproduções de seu aspecto divino.
Essa experiência do Deus-amor ocorre, em sua autenticidade, quando se está em provação, à beira do abismo, como diz Kierkegaard. Crer é estar à beira do abismo escuro e ouvir uma voz gritando: Lança-te, eu te levarei em meus braços. Lançado, não tendo mais apoio, abraça o paradoxo das incômodas bem-aventuranças. Contra toda esperança, espera. Desata as amarras. Faz o corte da carne viva e passa a confiar.
Um rosto esculpido no fogo, no coração, pelo espírito
A primeira conversão caracteriza-se, portanto, pelo anseio de ser um homem aberto, pela paixão pela liberdade autêntica. O que, como diz Camus, nada mais é do que a capacidade de ser melhor, enquanto a escravidão é a certeza de ser pior.
A primeira conversão é uma séria e indispensável preparação para a vida mística. É o início de uma travessia do oceano sem as margens do Amor. Ela é custosa, arriscada, mas deliciosa.
Conversão é voltar-se em direção ao Rosto e assumir suas características. E fazer-se pirografar por Ele, isto é, esculpir no fogo, com a perícia do único artista capaz, que é o Espírito Santo.
Ele é Senhor e doador da vida, celebramos na profissão de fé, que ressoa nos corações e templos das gerações primitivas. O Espírito Santo é o iniciador da travessia na primeira conversão. O Espírito Santo é o timoneiro de todo o itinerário no oceano do Amor, até o desembarque.
O Espírito Santo – que é Senhor e doador da vida – compromete o homem a viver a vida espiritual como vida pascal que tem precisas características, resumidas da seguinte forma por um de seus especialistas, Agostinho:
“Se queres viver no Espírito Santo
preserva a caridade,
Ama a verdade,
Realiza a unidade
e alcançareis a eternidade”.
Washington Paranhos, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE