Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
Alasdair MacIntyre (1929), importante filósofo contemporâneo, crítico da modernidade e defensor da tradição aristotélica, tem mais um importante trabalho traduzido para o português. Autor de um estilo filosófico analítico e objetivo, MacIntyre possui a capacidade de fazer grandes sínteses históricas em seus trabalhos. Suas obras marcam um tipo de reflexão filosófica atenta às práticas sociais, às narrativas e às tradições.
No seu livro Deus, a Filosofia e as Universidades: Uma história seletiva da Tradição Filosófica Católica (2011), MacIntyre, pensando a tradição filosófica católica, anuncia que essa é uma história seletiva, fruto de seus cursos na Universidade de Notre Dame a partir de 2004, e fruto de sua própria, e, portanto, seletiva, leitura da filosofia católica. A organização do livro está bem estruturada, seja para cobrir um grande período histórico, seja para olhar com atenção os desdobramentos contemporâneos dessa tradição. O livro apresenta sete partes: (1) Introdução: Deus, a Filosofia e as Universidades; (2) Prólogos da Tradição Filosófica Católica; (3) Tomás de Aquino e depois; (4) O limiar da modernidade; (5) A modernidade; (6) Fides et Ratio: a tradição católica redefinida e (7) Hoje: as universidades, a filosofia e Deus.
Na proposta de MacIntyre, é importante notar duas coisas. Primeiro que ele começa com Deus e termina com Deus, e coloca Tomás de Aquino no centro dessa tradição. Segundo que, ao buscar entender e interpretar o pensamento filosófico católico, ele interpreta a filosofia católica historicamente, como uma constante conversa ao longo dos séculos, seja em seus argumentos filosóficos, seja nas situações sociais, culturais e eclesiais que vão interagindo entre si e formando essa tradição.
Na primeira parte, MacIntyre faz uma rápida introdução ao tema. Para ele, a questão de Deus passa necessariamente pelo modo como usamos essa palavra. Assim, entender os diversos usos que fazemos da palavra Deus é fundamental para a discussão sobre o significado dessa palavra, sobre a crença teísta, sobre os atributos de Deus e sobre a necessidade metafísica e lógica da existência de Deus segundo algumas interpretações. Sobre a Filosofia, nosso autor a entende como dotada de uma peculiar linguagem, especialista em fazer perguntas e colocar indagações sistemáticas que geram tradições de justificação racional. Finalmente, as Universidades surgem como a possibilidade de organizar e institucionalizar esquemas de aprendizagem.
Após a breve introdução, MacIntyre apresenta um Prólogo da Tradição Filosófica Católica, na qual comenta sobre a importância germinal de Agostinho, Boécio, Pseudo-Dionísio e Anselmo. Aqui surge a pergunta: o que é ser um filósofo católico? Essa pergunta surge no momento em que a filosofia é entendida como um modo de vida que apresenta visões sobre os fins da vida humana, sobre a natureza das virtudes e sobre os tipos de conhecimentos que podemos alcançar. Mas, esse prólogo não estaria completo sem a abordagem da tradição islâmica e judaica.
Depois do prólogo, MacIntyre nos apresenta a gênese da tradição filosófica católica a partir de três tradições culturais teístas diferentes: o cristianismo bizantino, o islã e o cristianismo do ocidente latino. Em todas essas culturas a crença em Deus é universal, a teologia surge como a cultura acadêmica hegemônica, o mundo natural e histórico ainda carece de meios adequados para serem conhecidos e os modos de interpretação, a dialética e a disputa, tornam-se os meios de argumentação.
MacIntyre dedica três capítulos ao pensamento de Tomás de Aquino: (1) Tomás de Aquino: a filosofia e nosso conhecimento de Deus, (2) Tomás de Aquino: a filosofia e a vida prática e (3) Tomás de Aquino: Deus, a filosofia e as universidades. Tomás de Aquino é o auge da tradição filosófica católica. Herdeiro da teologia agostiniana e da filosofia aristotélica, a síntese de Aquino é genial. Genial porque apresenta de forma sintética os pressupostos filosóficos anteriores e fornece o vocabulário das indagações filosóficas posteriores, ou seja, sua presença marca e dá a direção futura de toda a tradição católica. Assim, a argumentação de Aquino sistematiza e organiza o modelo de como o ensino e o aprendizado das universidades deveriam ser organizados.
Depois das discussões, desacordos e conflitos da filosofia medieval, MacIntyre apresenta uma parte intitulada O limiar da filosofia moderna. A modernidade para MacIntyre é marcada pela Ausência Católica e o retorno à Filosofia (1700-1850). Neste período MacIntyre vê uma ausência de diálogo entre os filósofos católicos, muitas vezes ainda tomistas, e os filósofos modernos, na maioria dos casos anticatólicos. Neste contexto surge John Henry Newman, autor que MacIntyre aprecia muito e dá um lugar de destaque no capítulo Newman: Deus, a Filosofia e as Universidades. Depois, temos Aeterni Patris (1879) a Fides et Ratio (1998). Os títulos são significativos: Aeterni Patris: Sobre a restauração da Filosofia Cristã conforme a doutrina de Santo Tomás de Aquino e Fides et Ratio: Sobre as relações entre Fé e Razão.
Diante da imensa diversidade filosófica católica presente no século vinte, MacIntyre coloca a pergunta: em que consiste, se é que existe, a unidade da filosofia católica? Aqui, começa a discussão do capítulo Fides et Ratio: a tradição católica redefinida. Na Fides et Ratio a lista de nomes que compõem a tradição filosófica católica é longa e diversificada. O importante, além dos nomes e das escolas, é que para MacIntyre, “nossos problemas filosóficos atuais e nossos recursos filosóficos atuais são o que são apenas por causa do que se tornaram no curso das investigações e debates entre nossos predecessores, e eles só são totalmente inteligíveis quando são entendidos como decorrentes dessa linha histórica”. Nessa tradição, MacIntyre encontra certos acordos fundamentais: a valorização das questões existenciais como ponto de partida, a busca de uma compreensão adequada da realidade e uma certa compreensão da natureza do fim último.
Para finalizar, MacIntyre retoma o tema da introdução em Hoje: As Universidades, A Filosofia e Deus. Partindo do princípio de que, hoje, filósofos profissionais trabalham, invariavelmente, nas universidades e na pesquisa acadêmica. Para MacIntyre, a produção filosófica atual está concentrada na solução de problemas bem definidos. Normalmente, com base em conhecimentos muito específicos e limitados a uma determinada área de investigação particular. Nesse cenário, o direcionamento das pesquisas é ditado por aqueles que fornecem os fundos financeiros que, por sua vez, dependem de uma grande variedade de interesses intelectuais, econômicos, culturais e políticos. Assim, a noção presente na Fides et Ratio, de que os seres humanos precisam da filosofia que deve articular-se para responder às perguntas essenciais ao florescimento humano, à compreensão e transformação da sociedade, às questões de sentido, na opinião de MacIntyre, é estranha ao ethos das universidades contemporâneas.
Diante do que foi apresentado acima, quais são, para MacIntyre, as tarefas do filósofo católico? (1) Interpretar às preocupações humanas mais profundas; (2) Desenvolver uma consciência das relações entre as questões pré-filosóficas, as investigações filosóficas e as verdades reveladas da fé católica; (3) Buscar um tipo de compreensão que permita distinguir o que vale a pena nos importarmos muito, o que vale a pena nos preocuparmos menos e o que não vale a pena nos preocuparmos e (4) Compreender nossa busca humana pela verdade e por Deus como causa primeira e final, como busca fundamental da filosofia. Essas tarefas nos levam à continuidade da construção do relato da tradição filosófica católica, entendida como um empreendimento cooperativo. Nesse empreendimento, a filosofia possui a função integradora de abrir e iluminar as relações com a teologia e com toda uma gama de disciplinas e conhecimentos, sem deixar de lado a reflexão sobre a história passada da tradição filosófica católica. Finalmente, retomando a inspiração agostiniana, MacIntyre nos recorda que a fragilidade, a finitude e o pecado estão presentes em todos os nossos projetos humanos. Por isso, caridade e esperança são guias seguros para uma busca filosófica consistente e coerente com a tradição católica.
[Leia na íntegra: https://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/28754]
Elton Virotiano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da FAJE