Élio Gasda SJ
É preciso chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome. A ameaça fascista é uma realidade.
16 de outubro de 2022: Dom Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo: “Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora! […]. Ninguém machuque ninguém”.
Vermelho (sangue), a cor dos cardeais, simboliza o amor à Igreja e prontidão ao martírio. O cardeal de São Paulo foi chamado de “comunista” por usar roupas vermelhas.
No dia da padroeira do Brasil, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, falou no “dragão, que já foi vencido, a pandemia. Mas temos o dragão do ódio, que faz tanto mal, e o dragão da mentira. E a mentira não é de Deus, é do maligno”. Ato seguido, a Igreja foi atacada por dragões ensandecidos. Mais uma vez!
Armas, gabinete do ódio, fake news, genocídio, negacionismo, desmatamento, teocracia. Palavras que passamos a ouvir após Bolsonaro assumir a presidência em 2018. Pronunciadas sem conhecimento pouco significam. É preciso entender como o fascismo funciona.
Conhecer a história! O fascismo surgiu na Itália em 1910 e atingiu seu auge em 1922 com Benito Mussolini. Sua ascensão se deve ao contexto socioeconômico que vivia o país, além do medo ao socialismo. Nacionalismo, glorificação da violência, contestação da democracia e do Estado de Direito, militarização.
Bertold Brecht elenca características. O fascismo primeiro ataca as organizações dos trabalhadores. Depois começa a atacar a cultura e a educação. Fascista odeia cultura (Umberto Eco). Tudo o que é útil aos mais pobres é desqualificado. O ato de pensar é desqualificado. Xenofobia, misoginia, homofobia, racismo. É o ódio como política: nós versus eles.
O fascismo ressurge, com características antigas e atuais, na extrema-direita em todo mundo. Ganhou prefixos: neofascismo, protofascismo. No Brasil este ovo da serpente está sendo chocado (Ingmar Bergam). Age de forma massiva em torno de um partido miliciano empenhado na eliminação dos adversários identificados como “inimigos”. Repete mentiras para torná-las verdades. O Estado é tomado pelo aparato militar-policial e adota o terror organizado sobre os mais pobres. Nacionalismo exacerbado capitaneado por chefe autoritário apoiado em uma hierarquia religiosa: um manda, outro obedece. “O espírito fascista renasce sutilmente na alma de seus próprios algozes” (Ernesto Sabato).
O fascismo surge amparado por donos do capital, com raras exceções. “O fascismo é a forma mais crua, descarada, opressiva e fraudulenta do capitalismo” (Bertold Brecht). Quem e o que não dá lucro, é descartado. O bem-estar social é garantido a uma pequena parcela da sociedade. A quem interessa esse estado de destruição do Brasil?
“O fascismo quer ser uma religião” (José Mariátegui) e se transformar em fenômeno espiritual. O fundamentalismo reacionário de setores evangélicos contaminou setores do catolicismo. Religiosos, padres e bispos atacados por defenderem a vida. Cristofascismo: “Conhece a cruz apenas como um símbolo mágico do que Jesus fez por nós, não como um sinal do homem pobre que foi torturado até a morte como subversivo político (…). Este é um Deus sem justiça, um Jesus sem sua cruz. (…) uma traição aos desprezados, uma arma milagrosa a serviço dos poderosos” (Dorothee Solle).
Ontem como hoje. 29 de junho de 1931: Pio XI, Bispo de Roma e Pastor Universal da Igreja Católica condenou o partido fascista que atacava a Ação Católica: “Os últimos acontecimentos devem ter aberto a todos os olhos, ao mesmo tempo que demonstraram à evidência o que se conseguiu em poucos anos, não salvando, mas desfazendo e destruindo em termos de verdadeira religiosidade, de educação cristã e civil […] Condenamos o que em seu programa e ação vimos e achamos contrário à doutrina e à prática católica e, portanto, inconciliável com o nome e a profissão de católicos. Que possam prover sua própria consciência de católicos” (Encíclica Non abbiamo bisogno).
O movimento fascista coloca a sociedade em uma atmosfera de pesadelo. Viver sob ameaça é deprimente. Tudo começa com o apontar o dedo para os “diferentes”, as mulheres, estrangeiros, homossexuais, etnias, artistas, escritores, professores, esquerdistas etc., argumentos racionais parecem inúteis. “O fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada” (Engenheiros do Hawaii).
O inimaginável está acontecendo. Fazer Jesus defender a tortura e apoiar a pena de morte, e “dar de comer a quem tem fome é estratégia de satanás” (Nikolas Ferreira). “Quando o fascismo vier, virá enrolado em uma bandeira e carregando uma cruz” (Sinclair Lewis, Huey Long).
16 de outubro de 2022: Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar de Belo Horizonte: “É preciso frear o crescimento do fascismo”.
Conciliação impossível. Cristianismo e fascismo são absolutamente incompatíveis. O problema não é com a CNBB. O problema é com o Evangelho de Jesus de Nazaré.
Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE