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Filosofia, Eros e Sociedade

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Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

No livro A agonia de Eros, o filósofo Byung-Chul Han constrói uma crítica à sociedade contemporânea em sua tendência em destruir o outro e o diferente. Em nossa sociedade, o desaparecimento do outro é sinal de uma sociedade que, muito rapidamente, se esgota no inferno do igual, no regime do eu e no narcisismo do si mesmo. Em uma sociedade assim, mergulhada na imanência do mesmo, tudo que é diferente se transforma em objeto de consumo, tudo é nivelado e vivemos constantemente comparando tudo com tudo. A exagerada relação consigo mesmo transforma-se em uma enfermidade onde a autoexploração é a mais eficiente forma de sobrecarga, de fadiga e de doença do nosso tempo. Essa sociedade do desempenho eficaz é uma sociedade na qual a libido é investida na própria subjetividade, vigora uma economia do mero viver e a pessoa se compreende com um empresário de si mesmo. Sucesso e desempenho são as palavras de ordem. Nessa sociedade não existe espaço para o outro.

Uma sociedade que perde de vista a experiência do outro, para Byung-Chul Han, perde também a experiência erótica. Isso porque, a experiência erótica pressupõe a radical singularidade do outro, do diferente, da alteridade. A experiência erótica, é sempre uma experiência exterior de encontro com um outro diferente de mim mesmo, que não pode ser aprisionado por mim, mas que me arranca de minha suposta soberania. A experiência erótica é lugar de encontro, de saída de si e de humanização. Mas, um perigo ronda essa experiência em nossa sociedade: aniquilar-se no mero expor pornográfico que torna o erótico um exibir de corpos como mercadorias, um profanar o mistério do outro em sua face enigmática, um desnudar obsceno da alteridade num repetitivo e contínuo consumir.

Por outro lado, para Paul Ricoeur (A maravilha, o descaminho, o enigma – 1960) a experiência erótica, em sua dialética fundamental, é sempre maravilha, descaminho e enigma. Ela é desejo de encontro e violência de dominação. Por isso, cada pessoa, à sua maneira, enfrenta existencialmente este enigma que é seu, pois inscrito em sua própria carne. Nesse âmbito, a definição classificatória é substituída pela narrativa das vivências e dos desejos, vale dizer, pela hermenêutica do simbólico que não se deixa aprisionar nas estreitas garras do conceito do mesmo, porque é sempre diferença. A sexualidade como enigma, que se faz evento na reciprocidade do dom de cada vida humana, só é acessível na hermenêutica, na interpretação, no simbólico.

Esta realidade complexa do fenômeno erótico, que não se oferece a uma leitura unívoca, tem como expressão humanizadora a ternura. Na ternura, o erótico se realiza como dom, como afecção, como reconhecimento mútuo, como personalização. É sendo interpessoal e relacional que o erótico como ternura faz êxodo do narcisismo sufocante e estéril que pode nos matar. A ternura, então, se apresenta como lugar do desejo, e por isso mesmo, como lugar da falta. O erótico é o lugar da falta do outro, é o desejo do outro no seu corpo, é o desejo do prazer com o outro. A ternura acontece na temporalidade, porque toda relação se constrói no tempo, na dimensão da finitude e da falta que a temporalidade nos revela em nós mesmos.

É, portanto, nesta simbólica enigmática que se nos apresenta o erótico. Nele vivemos, somos e agimos. É nele que podemos nos humanizar ou desumanizar. É nesta intriga, feita de sonhos e desejos, alegrias e tristezas, esperas e realizações, que nos encontramos e somos convocados pelo outro a viver responsavelmente nossa existência humana no mundo. No erótico somos convidados a responder ao outro, a nos fazermos próximos do outro, apresentando-nos com empatia, estima e respeito. Outro que é um rosto para mim, que é único, que não se deixa apreender diante de uma generalização anônima e abstrata. Viver o cotidiano do erótico em nossas vidas é vivê-lo como criaturas, finitas e sempre necessitadas do outro que não pode por nós ser dominado. Viver na historicidade, na temporalidade da vida humana, sabendo que a relação com o outro se constrói paciente e criativamente, na estima de si, na solicitude ao outro e em instituições justas. Talvez por tudo isso dito acima, Adélia Prado no poema Disritmia (Bagagem, 1975), tão eroticamente se expressou: “Entre as pernas geramos e sobre isso / se falará até o fim sem que muitos entendam: erótico é a alma”. Mas isso já é um outro assunto.

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia, e reitor da FAJE

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