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Fraternidade ou Fome?

Élio Gasda, SJ

O Brasil começa 2023 com 33 milhões de pessoas em situação de fome. Em Minas Gerais são quase 2 milhões. Mais da metade dos mineiros (11 milhões de pessoas) sofrem algum tipo de insegurança alimentar. No Brasil, 125 milhões não sabem se terão o que comer no dia seguinte.

O Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Mas não é comida, é mercadoria. Agronegócio não produz alimento, produz commodities para o mercado global. O mesmo agronegócio que provoca queimadas, contamina as águas, o ar, e adoece pessoas com agrotóxicos.

Cifras da fome nessa escala é sintoma de um sistema que descartou os mais vulneráveis. Nunca vimos tanta gente nas ruas em condições tão desesperadoras. Pessoas deixam de comer por não terem dinheiro. E falta fonte de renda. 10 milhões estão na fila do emprego e 5 milhões já desistiram de procurar emprego.

0,0016% de pessoas detêm 16% de toda a riqueza do Brasil (OXFAM. ‘A sobrevivência do mais rico’). A riqueza de uns poucos às custas de milhões torturados pela fome. “Quem pode remediar a fome e por avareza esconde o remédio, com razão pode ser condenado como homicida” (São Basílio de Cesareia, Homilia em tempos de fome).

Morrer de fome é uma das piores maneiras de se ser despojado da dignidade. O aumento impressionante da miséria e da fome é uma tragédia humanitária. Uma sociedade que banaliza a fome de milhões chegou ao fundo do poço. Suas instituições estão corrompidas. “O avarento é capaz de vender sua alma ao diabo” (Eclesiástico 10,9-10). Espere a alta dos preços para enriquecer às custas da fome do pobre. “O povo maldiz quem retém o trigo” (Provérbios 11,26).

Provocar a fome é crime e pecado. “Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que provocam a fome e a morte de seus irmãos comete indiretamente um homicídio (Catecismo da Igreja Católica, 2269). O direito à alimentação só será garantido se governos e instituições estiverem preocupados com as pessoas que sofrem os efeitos da fome e da desnutrição.

Para garantir o direito fundamental a um padrão de vida adequado, não basta produzir alimentos, mas é preciso uma nova mentalidade para projetar sistemas alimentares que mantenham a dignidade da pessoa humana no centro; que garantam alimentos suficientes globalmente e promovam o trabalho digno em nível local; e que alimentem o mundo de hoje, sem comprometer o futuro” (Papa Francisco).

Ou seja, a humanidade só vai superar o problema da fome quando deixar de obedecer às leis cegas do mercado. A comida não pode ser produzida apenas para o lucro. Alimento não é mercadoria! Os ricos estão mais ricos, enquanto os pobres cada vez mais pobres engrossam os números dos torturados pela fome. Desolador! Até quando?

Temos a responsabilidade de trabalhar por um mundo onde o pão, a água, os remédios e o trabalho fluam em abundância e cheguem primeiro aos mais carentes.

Para quem não tem o que comer, o mistério de Deus se revela no pão partilhado. Deus se faz alimento para a vida do pobre. “Que importa ao Senhor que sua mesa esteja cheia de objetos de ouro se ele se consome de fome?” (São João Crisóstomo). Que ninguém se cale diante da fome! “O jejum que Me agrada é partilhar teu pão com quem tem fome” (Isaías 58, 6-7).

“Tudo é relativo, menos Deus e a fome” (Pedro Casaldáliga).

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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