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Futuro X Advento: duas faces da esperança

Luiz Carlos Sureki SJ

A fé é fundamento daquilo que se espera (cf. Hb 11,1). Esperamos algo porque cremos que aquilo que esperamos é possível de ser alcançado. Essa possiblidade está contida no ato de confiar. E, assim, a esperança é um ato de confiança – em algo ou em alguém – iluminado pela lúcida representação da possibilidade da consecução de seu objeto. Mas qual é, afinal, o “objeto” da esperança?

Em primeiro o lugar, o objeto da esperança consiste num bem. É isso que distingue a esperança do medo, temor, receio que experimentamos ante a representação da eminência de um mal. Também é evidente que o bem que se espera não está no presente, mas no futuro. É isso que distingue a esperança da alegria ou do prazer que experimentamos na presença de um bem. É preciso ainda dizer que o bem futuro que se espera é um bem difícil de ser alcançado. Por experiência sabemos que não esperamos (por) um bem que nos está disponível sempre e quando o quisermos possuir. É isso que distingue a esperança do mero querer, que não leva em conta o grau de dificuldade para a consecução de um bem futuro. Finalmente, o bem futuro difícil da esperança deve, no entanto, ser possível de ser alcançado. É isso que distingue a esperança do sonho, da fantasia, da ilusão, cuja representação do bem não é real-possível no sentido de realizável, alcançável.

Surge aqui uma outra pergunta: mas, afinal, qual é o fundamento do possível? O que nos leva a acreditar que um (determinado) bem futuro difícil de se alcançar é possível de ser alcançado?

No cotidiano da vida, esperamos alcançar determinado bem (ou bens) confiando simplesmente em nós mesmos. Nesse caso, tomamos por fundamento de nossa esperança, e, por conseguinte, da possibilidade de alcançarmos um bem, a nossa própria potencialidade, nossa criatividade, nossa vitalidade, dedicação, empenho, nossa condição físico-psíquico-intelectual, enfim nossa capacidade de planejar, projetar, calcular, prognosticar.

Em outras ocasiões esperamos alcançar um bem cuja possibilidade depende fundamentalmente da natureza (mundo). Esperar por uma boa colheita, por exemplo, não depende somente do semeador lançar as sementes no solo, mas depende fundamentalmente do próprio solo (fertilidade), das condições climáticas (sol, chuva, vento, temperatura), da qualidade da semente etc. Aqui confiamos na regularidade da natureza e sua potencialidade produtiva.

Não por último, há ocasiões em que o possível do bem da esperança não está em mim, nem na natureza do mundo, mas em alguém, em um outro; e isso em dois sentidos: no primeiro o bem que eu espero depende de outro ser humano, de uma ação, de uma intervenção, de uma decisão de alguém em quem eu confio; no segundo sentido, o bem que eu espero é (esse) alguém, em quem eu me confio. Neste caso, não se trata de um bem que eu vou receber do outro, mas do outro como o (meu) bem esperado. Aqui a linguagem assume os contornos da promessa. Na liberdade que lhe é própria, o outro não pode ser possuído ao modo de objeto, mas pode ser acolhido, recebido, querido e amado como dom imerecido, como alguém que se faz dom, que se promete a mim, tal como: “eu te prometo ser/estar contigo, na alegria e na tristeza… por todos os dias da minha vida”.

 

Já podemos perceber que a esperança tem duas faces ou dois modos. O primeiro modo podemos chamar de extrapolação. Este tem a ver com o futuro (futurum). Desde a potencialidade em nós, na natureza e no outro enquanto meio para se alcançar um bem (ou bens) projetamos para o futuro, para o amanhã em relação ao nosso hoje, a sua consecução. É essa a esperança que nos acompanha na grande maioria das atividades que realizamos no cotidiano, é a que move grande parte das nossas decisões, dos nossos empreendimentos; é a motivadora da nossa busca pelo bem-estar, ascensão/projeção social; é a que movimenta o setor financeiro, o mercado de produção e de consumo, a indústria farmacêutica e cosmética, o crescente aperfeiçoamento tecnológico, digital, cibernético; é a que sustenta o mundo da moda, dos esportes, etc.

O segundo modo da esperança é o da promessa. Este modo da esperança tem a ver com advento (adventus). Trata-se de alguém-que-vem-a-mim, não para me dar um bem qualquer e depois se retirar, mas para estar e ficar comigo, fazendo-se dom, fazendo-se o ‘meu’ bem”. Na promessa entre pessoas livres que se desejam/se esperam uma diz à outra: “estarei contigo até a morte” [tempo]; na promessa divina o Outro por excelência diz: “estarei contigo para sempre” [eternidade] – cf. Jo 14,16.

Note-se que a promessa é a forma do autoenunciar-se do Bem. Na promessa se anuncia o que não pode ser adquirido ao modo de objeto. O conteúdo da promessa tem a ver com o próprio prometente na sua liberdade, na sua alteridade. “Deus é Espírito”, diz Jesus à mulher samaritana (Jo 4, 24). A promessa de Deus, portanto, é a de dar-se, espiritualmente, a nós, habitar em nós, vivificar nosso ser, ser o verdadeiro Bem que livremente vem a nós.

Ambos os modos da esperança (extrapolação e promessa) não devem, contudo, ser vistos como totalmente separados um do outro. A esperança ao modo de promessa precisa da esperança ao modo de extrapolação para poder ser crida como possível/realizável; e a esperança ao modo de extrapolação precisa da esperança ao modo de promessa para que possa oferecer orientações ao ser humano sem confiná-lo aos estreitos horizontes espaciotemporais da mera produção, aquisição e acúmulo de bens-objetos, como se tão somente nisso consistisse o sentido da vida, a verdade da fé, o bem da esperança, a profundidade do amor.

O Tempo do Advento representa um reavivamento da esperança; é o tempo em que se espera a vinda de alguém como o Bem supremo, como libertador, como salvador. “A todos os que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12). Só o amor é digno de fé, e só o amor mantém acesa a esperança; e, no entanto, é na esperança que o amor realmente pode ser o que a fé crê que ele seja: eterno!

 

Luiz Sureki é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

 

 

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