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Graça para o tempo pascal: exigente e prazerosa

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Alfredo Sampaio Costa SJ No tempo pascal, qual a graça a ser pedida ao Senhor na oração? Nas circunstâncias atuais, torna-se uma graça ainda mais exigente e aparentemente contraditória, mas essencial: sim, por mais incrível que possa parecer, a graça a ser buscada é ALEGRAR-SE! Mas como falar de alegria em meio a tanto sofrimento e morte? Parece ser uma afronta à dor de tantos! Mas não! Na verdade, é a única resposta a ser dada na fé! Sim, pois a Ressurreição do Senhor marca a vitória da Vida onde reinava soberana a certeza da morte. É uma Vida que nasce da morte, que ilumina e dá sentido a tudo o que foi vivido e enfrentado até então. “Depois do grande Sábado da descida aos infernos, durante a noite pascal, assistimos enfim à exaltação do Homem novo: a glória nascida do opróbrio, a vida surgindo do Sepulcro. E em tudo isso não faremos outra coisa que contemplar Deus reconciliando com Ele em Cristo todas as criaturas”[1].  A ressurreição do Senhor é a infinita possibilidade da vida divina oferecida a uma humanidade tornada capaz de acolher o dom de Deus. Quando Cristo sai do túmulo, na manhã de Páscoa, é a uma nova criação que ele abre os braços, é uma humanidade regenerada que o seu coração acolhe transbordante de ternura.  A glória de Cristo ressuscitado é apresentada por Santo Inácio com uma visão marcadamente paulina (cf. Fl 2, 6-8), como algo que era próprio de Cristo, porque Ele é Deus. Assim que, na sua ressurreição, a Divina Majestade se mostra pelos verdadeiros e santíssimos efeitos desta, enquanto, durante a Paixão, ela parecia se esconder (EE 223)[2]. Inácio nos apresenta certamente o Cristo morto e ressuscitado, mas nos apresenta este Cristo na perspectiva da ressurreição, não põe ao mesmo nível a morte e a ressurreição de Cristo: a característica mais própria de Cristo é a glória! Inácio nos pede nos Exercícios Espirituais (EE 221) para pedir a graça “para me alegrar e sentir intenso gozo por tanta glória e gozo de Cristo Nosso Senhor”. Mas porque, exatamente, Cristo está tão cheio de alegria? Seria porque ele, depois de ter passado por uma experiência muito dura de sofrimento, agora se encontra do outro lado e gozando de uma merecida recompensa? Ora, uma razão como essa dificilmente poderia nos ajudar muito.  Imaginemos alguém rezando assim: “Estou feliz por você! Mas olhe para nós – temos ainda um caminho longo a percorrer!”. Além do mais: será que a razão última para levar uma vida centrada em Deus pode decorrer simplesmente da esperança de um dia recebermos uma recompensa? A resposta deve ser buscada através dos Evangelhos. A alegria parece ser correlativa ao desejo. Para entender a razão de tamanha alegria de Jesus temos que buscar o que Ele estava buscando, o que ele desejava, em que o seu coração estava centrado. Certo, podemos responder facilmente dizendo que Jesus o que buscava era a salvação de todos. Que mais poderia ele desejar do que a realização do Reino de Deus, a instauração de uma humanidade nova? Para entender o que significava a alegria de Jesus na sua ressurreição, temos que relembrar algo muito importante: Jesus era (e segue sendo) alguém que viveu como ninguém a sua pertença a seu povo. Jesus viveu em todas as suas consequências uma vida encarnada. Viveu para o seu povo. Em virtude da sua ressurreição, essa dimensão essencial de sua vida é potencializada, plenificada. Portanto não podemos imaginar a alegria de Jesus como uma alegria isolada e desconectada daquilo que estava acontecendo com os seus discípulos. Por isso é muito útil e pedagogicamente correto nesse momento sempre lembrar o exercitante na sua “composição, vendo o lugar” a sempre imaginar Jesus ressuscitado COM os apóstolos, COM as mulheres, nunca fechado num gozo particular desconsiderando a realidade do mundo. A alegria de Cristo vem não da sua satisfação pelo que Ele cumpriu a nosso respeito, mas do seu compartilhar, até o fim dos tempos, da nossa história e da nossa experiência. É a alegria da Encarnação[3]. A alegria que Jesus sente é inseparável da necessidade de estar em comunhão com os seus, de levá-los a experimentar o que significa a vida nova que Ele, em virtude da Ressurreição, agora vive. O apelo que o Rei Eterno tinha feito ao exercitante ao limiar da Segunda Semana já revelava essa vontade de Cristo de que todos pudessem viver a Sua vida, vindo com Ele, trabalhando com Ele, “para que, seguindo nos trabalhos, também me siga na glória” (EE 95).   Ora, esse desejo de Jesus de viver em comunhão é agora realizado e eternalizado na sua Ressurreição! Os evangelhos insistirão em afirmar que Cristo Ressuscitado não abandona o mundo, mas permanece. A sua Alegria está exatamente no fato de sentir realizado e difundindo-se por toda parte o seu desejo de dar vida, de partilhar a sua experiência de Vida, Amor, de Comunhão com o Pai. A Ressurreição intensifica de modo incomensurável e incalculável o compromisso de Jesus com o mundo. Contemplando as “aparições” do Ressuscitado, o exercitante deverá também ir experimentando no seu coração esse mesmo desejo de Jesus de comunicar vida, de entrar em comunhão, de encontrar seu modo de servir na Igreja concreta. Participar da alegria do meu Senhor significa exatamente isso.   [1] Louis BOUYER,  Le mystère pascal,  Paris : Éditions du Cerf 1945, 23. [2] Cf. Jesús SOLANO, “El misterio Pascual con algunos problemas de la tercera y cuarta semanas”, in: Los Ejercicios de San Ignacio a la luz del Vaticano II, BAC, Madrid 1968, 378. [3]  William REISER, Locating the Grace of the Fourth Week, Studies in the Spirituality of Jesuits 38/3 (2006) 17.

Pe. Alfredo Sampaio Costa é jesuíta, professor do departamento de Teologia da FAJE e autor de diversas obras.

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