Frei Ecson Ramirez, O. Carm.
O mundo está vivendo uma excepcional situação em relação aos riscos de propagação da COVID-19 e ao gerenciamento da grave emergência de saúde pública, alertada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), indicando medidas de isolamento, quarentena e a realização de testes que ajudem a detectar o vírus nas pessoas. Além disso, foram dadas orientações como, por exemplo, usar máscaras e álcool gel, lavar com frequência as mãos, evitar o contato direto com pessoas suspeitas de estarem contaminadas pelo vírus, entre outros.
A tudo isso, devemos somar os decretos dos distintos presidentes do mundo, juntamente com os governos estaduais e municipais que têm determinado o rumo das atividades essenciais como a economia, a política, a educação etc.
Também a religião não escapa ante esta situação, assumindo com responsabilidade não só os decretos governamentais como também os decretos episcopais, por meio dos quais têm sido canceladas as reuniões religiosas de todo tipo como medida de prevenção, modificando em sua totalidade o culto e religiosidade dos fiéis. Tudo isso revela, sem dúvida, que este é um momento extraordinário tanto para o mundo quanto para a Igreja.
Isso realmente leva a pensar, neste momento de crise de saúde, de vida ou morte: será que é oportuno retirar a religião exatamente quando é mais necessária? Por acaso a Igreja decidiu viver nas catacumbas? O que aconteceu com aquele convite extremo do Papa Francisco sobre uma “Igreja em saída”? Alguns pensam que a Igreja aceitou de maneira rápida o isolamento social, medida que eu considero absolutamente necessária, mas eu diria que foi pelo nível de alarme e emergência inicial. Muitos outros chamam essa medida de jejum litúrgico, considerando que as pessoas podem continuar suas ações piedosas reclusas em suas casas, sendo mais consequentes nas práticas das obras de misericórdia com aqueles que são mais vulneráveis a essa situação.
A Igreja tem sido muito dinâmica e criativa nestes tempos, reconhecendo uma necessária evangelização virtual para chegar aos fiéis. Um exemplo é o Pontífice Romano, o Papa Francisco, que celebra as Missas todos os dias, sendo transmitidas via internet direto da capela Santa Marta, bem como as suas audiências gerais e catequeses semanais. E têm seguido seu exemplo os bispos e sacerdotes. Além do mais, as comunidades religiosas organizam encontros de oração dentro dos próprios conventos, incentivando os fiéis a não abandonarem a vida de oração e, principalmente, a não se abandonarem na desesperança. Ainda temos aqueles homens e mulheres que entregaram suas vidas ao serviço dos mais necessitados neste tempo de crise, levando consolo e esperanças aos corações aflitos por esta situação.
Portanto, se esta pandemia “força” a Igreja a fechar suas portas aos fiéis e, consequentemente, impede de celebrar a liturgia, mesmo assim o clero e os religiosos se dispõem a continuar as missões apesar dos riscos de cair numa familiaridade gnóstica, na insensibilidade, no individualismo e na autossuficiência espiritual, uma vez que há uma falta de relacionamento direto com os outros membros da Igreja. O Corpo Místico de Cristo, ou seja, os fiéis, devem caminhar juntos, pois foi desse modo que sempre aconteceu, desde o início como vemos no Evangelho. Contemplamos isso quando os discípulos foram pregar de dois em dois (Mc 6,7), o que nos indica que não foram sozinhos. Ainda encontramos essa familiaridade dos discípulos com Jesus antes e depois da Ressureição (Jo 21,1-14). O Papa Francisco se pronunciou a respeito disso durante a Missa celebrada no dia 17 de abril na capela Santa Marta: “Todos nós comunicamos, também, pelos meios de comunicação, também nesta Missa, estamos todos nos comunicando, mas não juntos, não espiritualmente juntos. Isto não é a Igreja, mas é a Igreja numa situação difícil que o Senhor permite, porém, o ideal da Igreja sempre é com o povo e com os sacramentos. Sempre”. Por isso, mesmo que a familiaridade com o Senhor seja íntima e pessoal, ela se faz em comunidade.
Dessa forma, devemos ficar atentos ao risco que se corre nesta situação, uma vez que a experiência espiritual do cristão pode tornar-se gnóstica, viralizada e egoísta. A dinâmica desse tipo de familiaridade que estamos fazendo nestes dias, de modo virtual, é para ajudar-nos a sair do túnel ou caverna onde estamos resguardados esperando que tudo isso passe, ou seja, se trata de algo provisório, e não permanente. Portanto, nossa religiosidade e vida cristã devem manter-se intactas ainda que se trate de um caso de força maior, como está sendo esta pandemia. Podemos seguir agindo, só que precisamos ser cautelosos, responsáveis e preventivos, sobretudo com muita esperança e confiança para nos encontrarmos em breve, e assim, juntos, compartilharmos nossa experiência de fé.
Frei Ecson Ramirez é Religioso Carmelita venezuelano e estudante do 1º ano de Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Este texto foi produzido na disciplina “Português para Estrangeiros”, ministrada pela professora Sabrina Cotta