Interpelações físico-cosmológicas à teologia e à filosofia

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Luiz Sureki, SJ

A busca por um princípio racional capaz de explicar a totalidade da realidade marca o próprio nascimento da filosofia na Jônia do século VI a.C. Apesar da distância que nos separa de pensadores como Tales, Anaximandro, Empédocles, Heráclito, Demócrito, permanece viva a mesma inquietação fundamental: compreender a realidade, as causas, as condições de possibilidade, os princípios que constituem e regem o cosmos, o universo.

Ainda que o átomo permaneça uma unidade fundamental que define os elementos químicos na tabela periódica, a física de partículas já desvendou camadas muito mais profundas da matéria. Se sabe hoje que os prótons e nêutrons são compostos por quarks; e que os elétrons, por sua vez, pertencem à família dos léptons; que quarks e léptons são exemplos de férmions; que as interações entre essas partículas são mediadas pelos diversos bósons de gauge – como o fóton (mediador da força eletromagnética) e o Bóson de Higgs (que explica por que as partículas elementares têm massa). Teorias como a da supersimetria (SUSY) – que amplia o Modelo Padrão – postula que toda partícula elementar conhecida (como elétrons, quarks, fótons) teria um parceiro supersimétrico ainda não observado experimentalmente.

Em escalas ainda menores, a teoria das cordas sugere que todas as partículas fundamentais seriam, na verdade, modos vibracionais de cordas unidimensionais em um espaço-tempo de até 10 ou 11 dimensões. Essa abordagem ainda permanece sem comprovação experimental direta, e alternativas como a gravidade quântica em loop também competem para explicar a unificação entre mecânica quântica e relatividade geral. Afirma-se que energia escura e matéria escura constituem cerca de 95% do universo!

Bem, o caso é que o assunto está ficando complicado demais! Para filósofos(as) e teólogos(as) as perguntas que daí surgem ou podem surgir são: como falar de um princípio primeiro unificador da realidade?; como apresentar uma teologia da criação do mundo/universo que faça sentido no mundo das ciências físico-cosmológicas?; como falar do Deus Criador da energia e da matéria escuras?, que ontologia seria capaz de integrá-las nas categorias de substância e causalidade?; qual seria neste contexto o sentido de uma pergunta pela “existência de Deus”?; como articular as diversas expressões do princípio absoluto, tais como Logos (uma racionalidade pessoal e relacional), Brahman (um absoluto impessoal e ilimitado), Vácuo Quântico (um campo físico fundamental de energia e potencialidade)?

O certo é que a universalidade constitui um traço essencial que caracteriza a filosofia, a teologia e a ciência. Seus temas fundamentais dizem respeito ao todo da realidade, ao universo em sua totalidade. Foi precisamente essa exigente busca de universalidade que permitiu à filosofia transpor o discurso religioso mitológico para o discurso racional e sistemático-argumentativo; à teologia, transpor o discurso religioso-cultural do judaísmo para expressar o Evangelho universalmente às culturas do mundo – a começar pela helênica; e à ciência, transpor os limites da experiência imediata de objetos no mundo para elaborar teorias que abrangem o todo do universo em expansão.

A realidade não se reduz ao visível, à matéria, ao espaço-tempo, mas inclui dimensões ocultas que sustentam o visível, o material, o espaciotemporal. Algo semelhante se diz de Deus: “A Deus ninguém jamais viu” (Jo 1, 18; 1Jo 4, 12); “Deus é Espírito” (Jo 4, 24). A imagem visível não diz tudo do Deus invisível, ou seja, Deus não se esgota na sua manifestação na história, na dimensão espaciotemporal. Com efeito, sem uma articulação relacional trinitária, a revelação cristã de Deus não seria possível nem inteligível. Na teologia cristã se articulam o Theós [Deus-Pai a fonte invisível], o Pneuma [Espírito Santo – a força vital/vivificante do Deus vivo] e o Logos [Palavra – a autoexpressão do Deus vivo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16)]. O invisível [Deus-Espírito] não é ausência, mas modo de presença livre. O Espírito “sopra onde quer” (Jo 3,8), escapa ao nosso domínio, passa, perpassa, transcende tudo e todos. “Nele [em Deus-Espírito] vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28). Nele o universo se forma, se transforma e se expande.

A atenção ao Universo, própria da ciência, a consideração de Deus, própria da teologia, e a interrogação pelo Ser, própria da filosofia, representam três perspectivas distintas que, embora possuam métodos e linguagens específicos, não precisam permanecer isoladas. Pelo contrário, podem e devem encontrar-se e dialogar num horizonte transdisciplinar, no qual se abre a possibilidade de uma inteligibilidade relacional ainda mais abrangente da realidade última. Nesse ponto de convergência, cada uma dessas disciplinas, mantendo sua identidade, contribui para uma tarefa comum: pensar, acolher, admirar, contemplar de modo mais integral o Mistério com tal.

O avanço do conhecimento físico-cósmico não dissipa o Mistério, mas o aprofunda. Cada descoberta ilumina um campo do universo, uma face da realidade, enquanto o Mistério que a sustenta permanece vivo, silencioso, invisível, interpelando-nos a discernir a Vida da qual cada vida é um dom, a valorizar o Silêncio que precede o pronunciar de cada palavra, a admirar a Luz que possibilita toda visão, e a buscar a Sabedoria dos Místicos que contempla o universo como um todo interconectado com tudo.

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

Foto: Unsplash

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