Élio Gasda SJ
Esse texto bíblico foi escolhido pelo Papa Francisco para a Mensagem do VI Dia Mundial dos Pobres, celebrado em 13 de novembro. O Apóstolo Paulo se dirige aos cristãos de Corinto reforçando o compromisso de solidariedade para com os irmãos mais pobres. Os pobres ocupam a centralidade dos relatos bíblicos. Fiel ao Evangelho, a Igreja se coloca como “advogada da justiça e defensora dos pobres” (Documento de Aparecida).
O Dia Mundial dos Pobres, instituído em 2016, “pretende estimular, em primeiro lugar, os cristãos, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. O convite também é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade” (Papa Francisco).
Somos chamados a olhar o mundo a partir dos pobres. “A cada dia seu grito é menos ouvido, porque é abafado pelo barulho de poucos ricos, que são sempre menos e sempre mais ricos” (Papa Francisco).
“Nunca se esqueçam dos pobres” (Gal 2, 10). O cuidado com o mais pobre não pode ser algo pontual. O cristão é chamado para um processo contínuo de denúncia das causas da pobreza. A injustiça, o egoísmo, a falta de misericórdia, de fraternidade e solidariedade entre grupos sociais, econômicos e políticos é um triste fato da nossa história.
“Se um irmão ou irmã estiverem nus, e precisarem de alimento e roupas e algum de vós lhes disser: ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos, sem lhes dar o que é necessário ao corpo, de que adiantaria? (Tg 2, 15-16). O que fazemos para acolher a quem mais precisa? “No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através do envolvimento direto que não pode ser delegado a ninguém” (Papa Francisco).
“Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social” (Evangelii gaudium, n. 201). A Igreja está sempre ao lado de todas as pessoas que estão sem trabalho, moradia digna, saúde e educação. No Brasil, país de maioria cristã, e terceiro maior produtor de alimentos do mundo, mais da metade da população brasileira vive com algum tipo de insegurança alimentar. O número de pessoas passando fome passou de 19 milhões para 33,1 milhões em pouco mais de um ano (Rede Penssan). Ora, “Deus não tem necessidade de cálices de ouro. Que importa ao Senhor que sua mesa esteja cheia de objetos de ouro se ele se consome de fome? Saciai primeiro a Sua fome e logo, se sobra, ornamentai também sua mesa” (São João Crisóstomo). Um país realmente cristão jamais permitiria que tantas pessoas passassem fome.
O problema da fome e da miséria não é a falta de alimentos, mas de injustiça e avareza. “Qual a origem de tanta desigualdade? Da avareza e arrogância dos ricos” (São João Crisóstomo). Em países tão injustos como o Brasil, é dever do governo diminuir a distância entre os muito ricos e os mais pobres.
O principal critério de avaliação de um governo é como trata os mais pobres. O primeiro dever do Estado é com a Justiça e o Bem comum. “Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação de defender e promover o bem comum (Laudato sí, n. 157). Sem um padrão mínimo de igualdade, a democracia sempre será incompleta. A desigualdade econômica tem forte impacto na política de governo.
Independente do governante, “a Igreja não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça” (Evangelii gaudium, n. 183). É fundamental reduzir a concentração de riqueza e renda nas mãos de uma minoria. “Os pobres, antes de ser objeto da nossa esmola, são sujeitos que ajudam a libertar-nos das armadilhas da inquietação e da superficialidade [..] A pobreza que mata é a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos”, denuncia o Papa Francisco.
A justiça elimina os obstáculos para a paz (Santo Tomás de Aquino). Somente haverá paz no mundo quando se fizer justiça aos pobres (Paulo VI). Inspirados em Deus que ama a justiça e o direito, e no mandamento do amor, os cristãos estão chamados a assumir sua responsabilidade, junto com todas as pessoas de boa vontade, na concretização do bem comum, da consolidação de uma sociedade justa e democrática.
Ignorar os pobres é virar as costas para o Salvador. Essa é uma verdade da fé em Cristo. “Dar de comer a quem tem fome (Mt 25, 35.37.42) é um imperativo ético para toda a Igreja, é resposta aos ensinamentos de solidariedade e partilha do seu Fundador, o Senhor Jesus” (Bento XVI, Caritas in veritate, n. 27).
“Sem misericórdia as demais virtudes são inúteis” (São Leão Magno).
Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faje