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Lendo entre linhas perdidas

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Bruno Pettersen

A revista The Atlantic[1] publicou, recentemente, um artigo sobre a educação norte-americana que me soou assombroso. O texto, escrito por Rose Horowitch, em tradução livre, Os Estudantes de Faculdades de Elite que Não Conseguem Ler Livros apresenta entrevista com professores e alunos das principais universidades dos EUA sobre a dificuldade que os alunos têm em ler livros inteiros. Será que esse é também um problema que nos aflige? Penso que sim.

Horowitch afirma que não há pesquisas adequadas sobre o assunto, mas ela reuniu relatos de vários professores e estudantes norte-americanos sobre esse problema. Dois argumentos principais surgem para explicar a dificuldade dos alunos em ler livros inteiros: a leitura de um livro é pouco ou nada exigida durante o Ensino Médio, além da presença de smartphones e suas inúmeras distrações. Esses dois fatores contribuíram para uma queda acentuada no hábito de leitura de livros.

No Brasil, observo os mesmos fatores apontados no artigo de Horowitch. Começando pelo primeiro: a baixa exigência de leitura. Um caso relevante é o do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – que não demanda a leitura de um conjunto específico de livros. A maioria das escolas de Ensino Médio segue um modelo de ensino orientado para o ENEM, e como esse exame não exige a leitura de obras completas, os professores de Linguagens acabam trabalhando apenas com trechos de livros, notícias, poemas e outros textos mais curtos.

A FUVEST, ao contrário, tem um conjunto de livros demandados, como acontecia em vestibulares nas décadas de 80, 90 e início dos anos 2000, mas mesmo a FUVEST precisou fixar os livros apresentados, com uma lista divulgada para os três anos seguintes, com troca de três livros por ano. Mas não é possível comparar o ENEM com a FUVEST: o ENEM teve, em 2024, o número de 5.055.699 inscritos; por outro lado, a FUVEST teve 110.399 – a proporção é de 2,18%. Assim, a maioria dos alunos do Ensino Médio que irão prestar o vestibular não precisará ter lido um livro sequer para fazer uma prova que necessita extensivamente de capacidade de leitura.

Quanto ao uso do celular, primeiro, vamos aos números:

O Brasil é um dos países em que se passa o maior tempo utilizando smartphones, telas e dispositivos eletrônicos – em média 9h diárias de uso da Internet, segundo um levantamento recente. […] A última pesquisa TIC Kids Online, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, apontou que, em 2022, 92% da população com idade entre 9 e 17 anos era usuária de Internet no país, sendo o celular o dispositivo mais usado por crianças e adolescentes.[2]

 

Segundo as informações disponibilizadas pelo governo brasileiro, o uso da internet por cerca de 9 horas por dia, somado ao fato de 92% da população usar o celular, indica sobremaneira que o jovem tem pouco ou nenhum espaço para a leitura de livros, que demandam algum tempo dedicados a uma única atividade, o que, no celular e suas dezenas de possibilidades, praticamente é impossível. No entanto, a questão do tempo não é o único problema. O uso constante de celulares, e seus análogos, dificulta enormemente a capacidade de concentração do jovem, absolutamente necessária para a leitura de um livro. Inclusive, essa capacidade só vem com o hábito de passar um tempo na dedicação a uma única atividade.

Mas por que ler exatamente livros importa?

Como professor, percebo uma dificuldade que parece estar associada à falta de hábito de leitura de livros: a frequente incapacidade de se aprofundar em um argumento complexo, com múltiplas camadas, que requer total e completa concentração. Muitas vezes, um argumento filosófico, ou de qualquer outra área, é abstrato, complexo e, por vezes, desafiador; e a única maneira de lidar com isso é desenvolvendo uma capacidade que apenas a leitura mais longa nos permite alcançar. Questões intelectuais nem sempre proporcionam entretenimento a curto prazo, mas, em alguns casos, podem gerar satisfação e compreensão a longo prazo.

Ao ler o artigo de Horowitch, notei que vários outros professores nos EUA percebem o mesmo problema que eu. Assim, começo a compreender que essa falta de concentração, decorrente da baixa prática de leitura, tende a se tornar um problema central na estrutura da sociedade. Até mesmo a vida acadêmica tem, cada vez mais, cedido a essa incapacidade de concentração, valorizando a produção de artigos e tornando a escrita de livros extensos cada vez menos viável para os pesquisadores.

Considero que ler um livro seja um dos prazeres mais profundos que alguém pode experimentar. Embora eu aprecie outras formas de arte, as palavras escritas por outra pessoa são profundamente pessoais. O livro é, ao mesmo tempo, uma experiência introspectiva e uma das maiores janelas para o mundo de outras pessoas. Não podemos construir uma sociedade crítica se abandonarmos o livro como uma instância fundamental de saber.

Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

 

[1]HOROWITCH, Rose. The elite college students who can’t read books. The Atlantic, 2024. Disponível em: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2024/11/the-elite-college-students-who-cant-read-books/679945/. Acesso em: 29 out. 2024.

[2] BRASIL. Ministério das Comunicações. Uso de telas por crianças e adolescentes. Participa + Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/uso-de-telas-por-criancas-e-adolescentes. Acesso em: 29 out. 2024.

Foto: Shutterstock

 

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